segunda-feira, 14 de novembro de 2022


CLÁUDIA LAITANO

Para o lado de Proust

Jorge Luis Borges não gostava de romances (menos ainda dos muito longos) e costumava dizer que algumas páginas de Proust eram tão chatas quanto apenas a própria vida era capaz de ser. Sua cidade natal, ou parte dela, pede licença para discordar: é em Buenos Aires, e não em Paris, que se reúne um dos mais entusiasmados - e longevos - grupos de leitores de Em Busca do Tempo Perdido de que se tem notícia.

A história dessa extraordinária jornada proustiana, vivida de forma coletiva desde 2002, é narrada no documentário El Tiempo Perdido (2020), dirigido pela argentina Maria Alvarez, que acompanhou as reuniões do grupo durante quatro anos. Poucos filmes que eu conheço conseguiram mergulhar tão fundo, e de maneira tão despretensiosa, na experiência da leitura. "Tudo que se passa nessa obra eu senti, em algum momento, na minha própria vida, exatamente como Proust descreve", comenta uma das leitoras a certa altura. E qualquer um que goste de ler (esse ou qualquer outro autor) entende muito bem o que ela quis dizer.

O interesse pela obra de Marcel Proust chega em ótima forma ao biênio em que foram comemorados os 150 anos de seu nascimento (10 de julho de 1871) e os cem anos de sua morte (18 de novembro de 1922). Na França, que um pouco tardiamente reconheceu Proust como um dos seus grandes tesouros nacionais, a data foi celebrada com dezenas de lançamentos editoriais, cerimônias, conferências e exposições, mas as homenagens se espalharam pelo mundo todo. No Brasil, a melhor notícia é o aguardado lançamento de uma nova tradução, assinada por Mario Sergio Conti e Rosa Freire d?Aguiar, agora com o título de À Procura do Tempo Perdido. Os dois primeiros volumes, Para o Lado de Swann (Conti) e À Sombra das Moças em Flor (Aguiar), já estão em pré-venda e chegam às livrarias no início de dezembro.

Apesar de todas as dificuldades para transpor um romance de mais de 3 mil páginas repleto de frases longas e sinuosas, Proust permanece sendo lido, amado e estudado até hoje. Cada proustiano acaba desenvolvendo sua própria explicação para o fenômeno. A minha é bem simples: a obra-prima de Proust é inesgotável. Como um cenário cheio de detalhes que o espectador comum não consegue apreender por completo na primeira vez em que assiste a um filme, há sempre algo novo para descobrir ali - sobre a obra, claro, mas também sobre quem está lendo.

Em Busca do Tempo Perdido é como um labirinto de espelhos que se modifica conforme o olhar, as expectativas e as memórias de cada novo visitante. Um labirinto literário que só um autor como Jorge Luis Borges teria sido capaz de imaginar, mas apenas Marcel Proust conseguiu colocar em pé.

CLÁUDIA LAITANO

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