Sumiço inexplicável de certos objetos
Não existe nenhuma explicação razoável para o sumiço de certos objetos dentro de casa. Nenhum vivente está imune ao extravio, mesmo o mais organizado, o mais maníaco, o mais obcecado, o mais controlador.
É um mal democrático, igualitário, que atinge quem se encontra feliz ou triste, calmo ou apressado, independentemente do seu estado emocional. Antes, pensava que as coisas sumiam porque a minha mãe escondia tudo de propósito, só para que eu aprendesse a rezar a "Salve, Rainha". Mas já tinha decorado a oração, e elas continuavam evaporando.
Até a mãe se mostrava vítima das baixas domésticas. Ficava desesperada ao não encontrar seus pertences quando queria. Eu não podia pedir para rezar "Salve, Rainha" que ela pensava que era um deboche de sua expedição pelas gavetas e armários.
Eu me dei conta de que não poderia ser encenação da parte dela, sua enxaqueca e angústia eram extremamente convincentes. Existe uma dimensão paralela em nossa existência, um elo perdido, um jogo de esconde-esconde de gnomos e duendes, uma trapaça do invisível, uma brincadeira de fantasmas, um inventário de abduções.
Duvido que alguém não partilhe comigo a mesma perplexidade perante o desaparecimento frequente de quatro elementos do nosso cotidiano:
MEIAS
As meias jamais voltam da máquina de lavar. A máquina de lavar é uma indústria do divórcio. Os pares entram casados e brigam lá dentro. Perdem-se na espuma, ficam tontos, exageram no Omo, emborcam o amaciante, sei lá o que acontece. No fim, nunca teremos as meias iguais. Nunca será o casal original de meias. Chega um ponto em que se acumulam 20 meias viúvas na gaveta. Como? Será que existe um alçapão falso na máquina?
O Triângulo das Bermudas deveria se chamar Triângulo das Meias.
TAMPAS DE PANELAS
Como uma circunferência enorme de metal, ou de aço, ou de vidro, pode não ser encontrada? As panelas sempre estão com uma tampa emprestada de outra panela. A pressa na hora de preparar a comida aumenta o pânico. Enfrentamos o risco de queimar o almoço ou o jantar com a distração. Mexemos debaixo da pia, e nem sinal dos conjuntos comprados. As panelas acabam dando o mau exemplo para os potes.
CANETAS BIC
Trata-se de um mistério na escrita do nosso destino. Quando você precisa anotar um telefone importante, ou assinar um documento, cadê aquela caneta? Todos dizem que não pegaram. Ninguém viu, ninguém sabe.
Não adianta ser prevenido e colocar o nome ou uma corrente na caneta, porque ela foge. Caneta odeia donos possessivos.
GUARDA-CHUVAS
Cada pessoa no mundo terá uma média de 30 guarda-chuvas até sua morte. Você apenas se lembra dele no momento de sair, jamais no retorno de um lugar. Os guarda-chuvas são morcegos disfarçados. Eles voam quando vem o sol, quando chega a luz.
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