sexta-feira, 18 de novembro de 2022


NEGACIONISMO FISCAL

São preocupantes os termos da primeira versão da chamada PEC da Transição, apresentada na quarta-feira à noite pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, ao Congresso. A intenção do futuro governo é retirar definitivamente o Bolsa Família dos limites impostos pelo teto de gastos, com um espaço extra de desembolsos de quase R$ 200 bilhões apenas em 2023.

A inquietação também se deve a outros fatores associados. Entre eles, as declarações repetidas e equivocadas do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, no sentido de considerar quase que excludentes os cuidados sociais com a necessidade de ter responsabilidade fiscal. Ao mesmo tempo, não há qualquer indício de qual proposta o novo governo apresentará para substituir o teto, mecanismo que limita a expansão dos gastos à inflação do exercício anterior. Há apreensão, também, quanto à indefinição do perfil e do nome do ocupante do Ministério da Fazenda.

Intriga ainda o fato de integrantes da equipe da área de economia da transição não terem sido ouvidos sobre a proposta da PEC. Um dos símbolos da formação de uma coalizão mais ampla, além da esquerda, é a participação dos economistas Pérsio Arida e André Lara Resende no time que busca as informações para o futuro governo. Os dois fizeram parte da elaboração do Plano Real e seus nomes ajudaram a passar a mensagem de que haveria, também, cuidados para evitar a aventura da gastança. Por enquanto, no entanto, todas as sinalizações são no sentido de ampliar os gastos sociais sem que se apresente uma forma crível de mostrar como esses desembolsos serão financiados de forma sustentável ou se haverá cortes em outras áreas.

Lula foi eleito com o compromisso de combater a fome e a extrema pobreza. É legítimo, portanto, que tenha essa promessa como prioridade, o que inclui manter o valor de R$ 600 para o retorno do Bolsa Família. Mas é preciso compreender que, sem cuidar da saúde das contas públicas, todo o esforço pode ser em vão. O desleixo com a responsabilidade fiscal se reflete na alta dos juros, na elevação da inflação e no ritmo menor da economia. É uma conjuntura que atinge especialmente os mais pobres. O apoio ao social, para ser duradouro e eficiente, tem de ser lastreado pela sobriedade no trato com as contas.

Lula é um político experiente, que conhece os caminhos da negociação e fez especialmente um primeiro mandato (2003-2006) em que foi exemplar ao conciliar o fiscal com a atenção aos mais pobres. O caminho que parece tomar, no entanto, indica a perigosa via das gestões seguintes do PT, que levaram o país à inflação, ao desemprego e à recessão. Não por acaso, a reação do mercado financeiro desde a semana passada é a bolsa em significativa queda e o dólar e os juros futuros subindo forte. A penalização, ao fim, recai sobre a população. É inútil, como vêm fazendo Lula e alguns próceres petistas, vociferar contra o mercado. Os agentes financeiros apenas reagem aos sinais, assim como fizeram ao longo do governo Jair Bolsonaro sempre que a responsabilidade fiscal foi jogada para o acostamento.

O melhor cenário, agora, é aguardar que as linhas gerais da PEC sejam um bode na sala, com os excessos corrigidos pelo Congresso. Seria positivo, também, se o presidente eleito, seus aliados e colaboradores da transição indicassem como será a próxima âncora que dará as garantias para o Brasil não entrar em uma trajetória insustentável da dívida pública. Lula, ao mesmo tempo, deveria ter mais cuidado com as palavras. Insistir no comportamento atual parece negacionismo econômico. 

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