Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
sexta-feira, 30 de novembro de 2007
JOSÉ SIMÃO
Timão 2007! Lula lança o Bolsa Sofredor!
Aliás, quem quiser usar a palavra sofrimento tem que pagar direito autoral pra corintiano
BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!
Socuerro! Corinthians X Vasco! O Timão levou um gol espírita. Do Alan Kardec. Gol do além. O Corinthians não ganha nem em mesa branca!
E o sofrimento continua. Aliás, quem usar a palavra sofrimento tem que pagar direito autoral pra corintiano. Então o Timão, no próximo domingão, vai ser assim: OU DÁ OU DESCE!
E adorei a transmissão: "Aí vem o ataque do Corinthians. Vinha". "Aí vem o ataque corintiano. Vinha!". Rarará! E uma pequena mensagem de apoio a toda nação corintiana: "É na merda que nasce o champignon". Rarará!
E aí o Vasco coloca um tal de Abuda. Já imaginou se esse Abuda faz um gol? Gol de Abuda. Timão leva gol de Abuda. Aí teríamos três tipos de gol: o gol de mão, o gol de placa e o gol de Abuda. Rarará!
Na realidade, o Timão devia contratar a zaga do time de Guanhães, em Minas: Nem Cu de Frango, Zóio, Bafo e 3 Peidim! Rarará!
Lula lança o Bolsa Torcedor! O Lulalelé, como o maior corintiano do país, vai criar o Bolsa Torcedor: garante ao torcedor de qualquer time o direito a uma entrada pro jogo do seu time de coração.
Os torcedores do Corinthians teriam direito a duas. Pelo sofrimento ao longo dos campeonatos. Aliás, o Lula devia lançar o Bolsa Sofredor!
E aí explodiu um foguetório em Sampa. Gol do Corinthians? Não, gol do Vasco. Eu nunca vi São Paulo comemorar com tanta euforia o gol de um time carioca. Rarará!
Aliás, não é o gol do Vasco, é o não gol do Timão! Rarará! É mole? É mole, mas sobe. Ou, como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece!
Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.
É que em Maceió, nas Alagoas, tem um motel com a seguinte faixa de promoção: "Entrou, levou!". Aliás, é uma garantia. Rarará! Mais direto impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!
E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Pré-socráticos": jogadores do Timão antes do Sócrates. Ai que saudades dos pré-socráticos. Rarará! O lulês é mais fácil que o inglês.
Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. E quem fica parado é poste!
simao@uol.com.br
Ótima sexta-feira e um excelente fim de semana. Feliz dezembro que vem aí. Adeus novembro.
PRESTAR OU NÃO PRESTAR?
Você vai prestar no ano que vem ou ainda neste?' Foi em Cuiabá que eu ouvi essa pergunta inquietante. Na verdade, eu estava escutando o diálogo de duas moças muito animadas.
Cada região brasileira tem a sua maneira de falar e até o seu humor. Quase em Rondonópolis, onde fui visitar meu irmão e uma sobrinha, há um hotel com um nome sugestivo: Hotel para Chifrudos. Não é, claro, o que alguns já estão pensando. Nem tem, obviamente, qualquer relação de mau gosto com a imigração gaúcha para o Mato Grosso.
É um lugar que se ocupa de bovinos. Mas o que me interessa aqui é a pergunta com a qual eu comecei esta crônica. Acontece que imediatamente eu apliquei a questão a mim. Será que eu vou prestar no ano que vem ou ainda neste?
Como só temos um mês e pouco pela frente, acho melhor fazer como o Grêmio e o Internacional e remeter tudo para o próximo ano.
Aqui está, em primeira mão, a minha promessa de final de ano: em 2008, juro que eu vou prestar.
Ainda não sei como vou fazer para alcançar essa meta louvável e complexa. Prometo, em todo caso, que não pouparei esforços para chegar lá. Evidentemente que tentarei ser bom marido, bom professor, bom cidadão e bom colunista.
Dado, porém, que eu não tenho a possibilidade de reclamar um aumento de impostos para facilitar o meu plano de melhoria existencial, nem jogo na Mega-Sena, só me resta investir com os meus recursos.
Ou nos meus recursos. Não posso negar que 2007 foi um bom ano. Ainda assim, a pergunta feita pela morena continua ecoando na minha cabeça. Confesso que admirei mesmo foi a resposta da loirinha: 'Este ano não pude prestar.
Bem que tentei. Mas não deu mesmo'. A outra mostrou-se generosa: 'É assim mesmo. Tem vezes que a gente acha que vai dar e, infelizmente, não consegue prestar. Este ano, apesar de todo o meu empenho, eu não prestei'.
Eu tenho o maior respeito por essas pessoas que estabelecem objetivos e são capazes de alcançá-los ou de admitir cristalinamente que fracassaram. A palavra não é essa. Certo, parece-me, seria dizer que não atingiram o patamar fixado.
O problema é que as duas moças não paravam de falar em prestar e, sem saber bem a razão, eu comecei a fazer uma análise da minha vida: será que um dia eu prestei?
Prestei mesmo? Será que um dia vou prestar muito? Entrei numa espiral filosófica. As viagens sempre me permitem refletir bastante. Os longos atrasos – sete horas no Salgado Filho antes de embarcar para Mato Grosso – estão melhorando sensivelmente a minha cultura.
Chego a ler mais de 200 páginas. Dependendo do livro, chego a querer que o atraso seja ainda maior. O setor aéreo brasileiro ainda vai receber um prêmio cultural pela sua contribuição para o aumento dos índices de leitura em todo o país.
É feio ouvir a conversa dos outros. Mesmo assim, quase deslumbrado, continuei de ouvido atento ao papo das duas gurias de Cuiabá.
Eu me sentia aprendendo com elas de uma forma simples e eficaz. Por que não teriam prestado em 2007? Tive vontade de me meter na conversa para esclarecer essa minha dúvida. Não tive coragem.
Ou tive educação suficiente para não pagar mico. Eu já me preparava para subir ao palco e fazer a minha palestra na Universidade Federal do Mato Grosso quando a morena foi mais precisa: 'Ano que vem, seja como for, eu vou prestar concurso'.
juremir@correiodopovo.com.br
30 de novembro de 2007
N° 15434 - Paulo Sant'ana
Vai engarrafar!
E depois ainda subestimam o valor do jornalismo especializado em determinados assuntos.
Olhem o que escreveu Rosane de Oliveira na sua página de ontem em Zero Hora: "Há mil formas de boicotar uma CPI. A mais eficiente delas é dominar os postos de comando e fazer marola com os requerimentos".
Esse tipo de observação percuciente do metabolismo parlamentar só pode ser feito por uma jornalista que se dedica há anos ao mesmo campo de atividade.
Fui saber ontem que cortar o interior de shoppings com o carro para encurtar trajetos urbanos ou evitar o engarrafamento das ruas é mania arraigadíssima em Porto Alegre, não só nos dois shoppings que citei ontem, mas em vários outros também.
E sobre o mesmo tema, no qual insisto, do excesso de carros que já há nas ruas de Porto Alegre e das grandes cidades brasileiras, acode-me o médico Paulo José Di Nardo, afirmando que por várias vezes foi até o aeroporto Salgado Filho e lá viu um saguão completamente vazio, sem passageiros de saída e chegada; no entanto, minutos antes, não havia vaga para nenhum carro na garagem.
Ou seja, uma frota imensa de carros num aeroporto sem passageiros.
Já sei que vão me dizer que as pessoas costumam deixar seus carros no aeroporto e embarcam nos aviões.
Mas até isso favorece a minha tese. Ou seja, mesmo que vão para Rio, São Paulo ou para o Camboja, entopem as ruas e avenidas com seus carros, não usam táxi nem ônibus.
E deixam seus carros nos estacionamentos dos aeroportos, tirando as vagas das pessoas que vão até lá para receber ou despachar seus familiares e colegas. Falo de cadeira, porque cansei de incorrer nesse defeito.
Além do excesso de carros na rua, existe a obsessiva e sedentária mania nossa de não tirarmos nossos traseiros dos bancos de nossos carros. Uma dependência doentia.
Mas depois não digam que não avisei: vai engarrafar total, vai haver colapso no trânsito.
É que ontem o Diário Gaúcho botou na manchete de sua capa o sonho realizado de quem está comprando carro usado em financiamento de 60 meses.
Ou seja, sem nenhum tostão de entrada, um gaúcho pode comprar hoje um carro usado ou seminovo por, pasmem, zero reais de entrada e R$ 40 ou R$ 50 por mês.
É um negócio inacreditável este milagre econômico do governo Lula, que distribui carros zero e usados para os brasileiros de menor poder aquisitivo, que afinal ganharam sublimemente o direito de ter carro como os mais possuídos.
Metrôs, trens, transporte coletivo de melhor qualidade, nada.
"Oh, bendito o que semeia/ carros, carros à mancheia/ e manda o povo rodar/ o carro caindo nalma/ é chuva que faz a palma/ é água que faz o mar".
Só que este mar, este oceano de engarrafamento, vai nos afogar.
Com carros usados financiados a R$ 40 mensais, não fosse a gasolina, o seguro, o IPVA, a carteira de motorista - que a nova direção do Detran teima em não reduzir para a metade seu atual preço, depois que se viu que 50% do que pagaram candidatos à habilitação ia para o escândalo do Detran - ,
não fossem todas essas despesas e se poderia dizer que comprar carro a R$ 40 de prestação por mês significa vantagem financeira muito maior do que pagar passagens de ônibus.
E podem ter certeza de que, com essas facilidades de financiamento, muita gente financiada vai concluir que sai mais barato andar de carro do que andar de ônibus.
Tola e trágica ilusão! Mas vai engarrafar total.
30 de novembro de 2007
N° 15434 - David Coimbra
Gritos no Centro
Vinha descendo a Borges, caminhandinho, mão no bolso, olhando as pernas de louça das moças, quando ouvi aquele grito. Grito, não: gritos. Urros entre furiosos e desesperados, urros medonhos de mulher. Vi que uma pequena multidão havia se formado mais ou menos em frente ao Cine Vitória para conferir o que acontecia. Curioso, também rumei para lá.
Trabalhava no Centro, naquela época - adorava trabalhar no Centro. No meio do expediente, se me sentisse entediado, saía para espairecer.
Foi o que fiz, naquela tarde. Ia até a Matheus, morder um mil-folhas cremoso com Mirinda gelada, mas não cheguei a entrar na confeitaria - ao ouvir os gritos, desviei para o bolo de gente. Fui me aproximando, afastando cotovelos, cença, cença, até que cheguei à frente da clareira humana, e vi.
Nossa!, era uma mulher de, sei lá, metro e noventa de altura e uns 120 quilos. Gorda, sim, só que, mais do que gorda, grande, forte, braços do tamanho das minhas coxas, coxas da espessura de postes de luz, manoplas de raquete de tênis, pés de zagueiro do Grêmio Bagé, cabeçorra de bola número cinco, boca feito uma cuia de chimarrão, de onde se elevavam os berros de ódio.
Era uma negra retinta, tão negra que a pele lhe reluzia.
Havia se jogado ao chão, onde esperneava e se debatia com violência. A cercá-la, oito brigadianos, que hesitavam: deviam se arriscar a imobilizá-la?
Ficaram ali, em volta da mulher, atentos, meio agachados, com os braços abertos como se fossem goleiros à espera da cobrança do pênalti. Um deles, decerto o oficial, deu então voz de comando:
iam pegá-la! Ficamos tensos, nós na torcida. Os brigadianos saltaram sobre a mulher, os oito em um único movimento, bem treinados como legionários romanos.
Mas aí ela se pôs de pé. Ergueu-se em seu imenso corpanzil e emitiu um grito assustador, que trincou o asfalto da avenida e fez murchar os pastéis da confeitaria.
- UAAAAAAAAAAH! - e, num movimento vigoroso de braços e pernas, espalhou brigadianos para todo lado e saiu correndo, correndo, correndo... na minha direção!
Por Deus, foi esta a cena dantesca que tinha diante dos meus olhos esbugalhados: uma hipopótama enlouquecida despencando em minha perseguição!
Não vacilei: dei meia-volta e corri com todas as forças de meus joelhos e pulmões, sem importar-me com a humilhação de ser visto em fuga pusilânime. Só parei na segurança da Salgado Filho, debaixo do viaduto, onde os espectadores riam convulsivamente e me gozavam:
- Está bem de perna, hein, magrão!
No fim, foi tudo muito divertido. Agora, dias atrás, mais ou menos 25 anos depois, eu ia para a Feira do Livro, tranqüilão, e ouvi gritos. Gritos idênticos!
Ou pelo menos pareciam. Vacilei, mas a curiosidade foi maior do que o medo. Parei. Olhei. Felizmente, não era a mesma mulher. Mas passava por ataque semelhante, gritava e se debatia no chão duro.
No entanto, ninguém se aproximou. Ficaram todos olhando de longe, desconfiados, nem os brigadianos deram-lhe atenção. Gritando ela estava e gritando ficou, não sei por quanto tempo, porque eu também me afastei, tinha mais o que fazer.
Algo mudou, em 25 anos. O porto-alegrense sente mais medo, não se arrisca mais. É outro cidadão. E, principalmente, é outro o Centro. Está mais selvagem, o Centro, mais bruto, não é mais lugar de passeio; é de passagem.
Que saudade do Centro em que se podia ir para espairecer, em que se podia ir só para ver as pernas de louça das moças, para morder um mil-folhas cremoso, para sorver uma Mirinda gelada, onde simplesmente a gente parava para ver.
quinta-feira, 29 de novembro de 2007
JOSÉ SIMÃO
Ueba! Corpo-a-corpo com Lula é briga!
A Mônica do Renan lançou o livro "O Poder que Seduz". Devia ser "A Pensão que Seduz"
BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!
E um amigo meu foi pro supermercado e pegou o caixa preferencial para idosos, gestantes e portadores de necessidades especiais.
E a caixa: "O senhor tem alguma necessidade especial?". "Tenho, sim. Necessito de dinheiro." Rarará! E mais uma piada pronta: "Senado vai ter votações às sextas e segundas".
Por telefone ou por internet?! Rarará! E se a CPMF não passar, o Lula vai enviar outro imposto com o mesmo nome: Contribuição Pra Mim Ficar! Rarará!
E diz que o Lula vai fazer corpo-a-corpo! Corpo-a-corpo com o Lula é briga! Pode apartar que é briga!
E aquele náufrago, numa ilha com duas mulheres, na Austrália, que escreveu "help" na areia da ilha e foi salvo? Comentário do rapaduradehumor: "
Se eu ficasse sozinho numa ilha com duas mulheres, eu não iria escrever "help", iria escrever "não perturbem'". Rarará!
E mais uma piada pronta: "Aprovado texto que pede cassação de Renan". E eu vou ficar numa banheira de leite condensado até virar brigadeiro!
E essa da Bolívia: "Escândalo sexual derruba ministro". E o ministro é o ministro das Águas. Sujeira derruba o ministro das Águas. E o substituto do ministro se chama Valda.
É que depois de uma putaria nada como uma Valda. Rarará! Se fosse no Brasil, ele viraria presidente do Senado, e ela, capa da "Playboy"! Ou livro.
A Mônica do Renan lançou o livro ontem: "O Poder que Seduz". Errado. Devia ser "A Pensão que Seduz"! Aliás, o Renan é tão feio que não paga pensão, paga indenização! Uau!
É mole? É mole, mas sobe! Ou como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece!
Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês".
Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês. É que em Manaus tem uma igreja chamada Igreja do Pobre Diabo. Rarará! Parece Dias Gomes.
Mais direto, impossível. Viva o antitucanês! Viva o Brasil!
E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Vácuo": companheiro viúvo da vaca que morreu de aftosa. Rarará! O lulês é mais fácil que o inglês.
Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno! Mais ética na demagogia!
simao@uol.com.br
Jânio de Freitas - Folha de S. Paulo - 29/11/2007
O jogo das traições
Diante da conta da oposição, que diz ter votos para extinguir a CPMF, a reação do governo ficou longe do que seria esperável
SEI QUE A paciência exausta entregou a CPMF ao setor do "seja o que Deus quiser", mas surgiu uma situação que merece ser observada por um momento, ainda que como diversão. Um cara ou coroa no joguinho do ilusionismo político.
A oposição de repente afirma contar com votos para extinguir a CPMF, segundo verificações algo cabalísticas dos demistas, ou seja, dos velhos conhecidos do PFL fantasiado de DEM. E decide facilitar a chegada da CPMF à votação decisiva.
Com 33 votos contrários, ao governo restariam no máximo 48: um abaixo do necessário para manter a mão da CPMF em nossos bolsos. Só aí já é de estranhar esse risco no valor de R$ 40 bilhões.
Diante da conta oposicionista e do caminho aberto à votação, a reação do governo ficou longe do que seria esperável sob tamanha ameaça.
Mais estranheza, portanto. E, ainda, sabe-se que tanto na tal base governista há contrários à CPMF como entre os oposicionistas há favoráveis.
Não é necessária muita perspicácia para perceber na mesa duas hipóteses:
1 - A oposição proclama-se em vantagem e parte para a votação, perde e alega que, com a margem muito estreita, bastou o mínimo de traição para assegurar a permanência da CPMF.
Tudo feito conforme acordo com o governo, como querem os governadores José Serra, Aécio Neves, Yedas Crusius e outras eminências do PSDB.
2 - O governo já comprou votos bastantes para vencer, mas senadores que se mostram simpáticos a um lado e ao outro quando não falam em público, e são vários, já derrubaram MP e até novo ministério criado por Lula, com votos indiscutíveis da base governista. Nesse caso, o governo está pagando para ser o último a saber.
Quem dera
O Amazonas é um rio de surpresas. Um redemoinho inesperado, uma onda forte e transversal à correnteza, troncos em quantidade, os problemas se sucedem. Mas não é isso que faz do Amazonas um sugadouro de barcos e de vidas.
É a precariedade extrema da maioria das embarcações de transporte coletivo, que naufragam com freqüência tão intensa que fez desses desastres, desde muito tempo, fatos corriqueiros.
Uma embarcação que levava 60 pessoas já registrou o primeiro naufrágio da semana, com a conseqüência habitual de passageiros tragados no roldão do rio.
Se não for desviar suas atenções do submarino nuclear, talvez o ministro Nelson Jobim pudesse lembrar-se de equipar e ativar a Marinha para o cumprimento do seu dever de fiscalizar a navegação, seja marítima ou fluvial, e suas condições.
Com início dessa novidade no Amazonas e afluentes. Mas reconheçamos que imaginar a atenção ministerial desviada do submarino nuclear para vidas humanas, e ainda mais de gente humilde, é quase alucinação.
Explica-se
Muitos acham esquisita a inclusão do Brasil entre os países com alto Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH.
Ora, isso é coisa de quem não notou quanto o país foi puxado a tanto pelas condições nas cadeias, em especial as do Pará e as de Minas; nas favelas do Rio e nas noites dos mendigos inflamáveis da cidade de São Paulo.
O Estado de S. Paulo - 29/11/2007 - Dora Kramer
Tiros no peito
Há um mês, um pouco menos, ninguém ousaria sequer aventar a hipótese de o governo perder a parada da CPMF, não conseguindo aprovar a prorrogação até 31 de dezembro, de forma a preservar a arrecadação integral do imposto em 2008.
Mesmo a oposição fazia suas graças, mas considerava o assunto matéria vencida. De uma hora para outra, o vento virou.
O mais provável continua sendo a vitória governista no prazo previsto, mas, além de o custo - político, inclusive - sair mais alto que o imaginado, o risco da derrota passou a freqüentar o ambiente já não como possibilidade remotíssima.
É verdade que o governo faz charme quando fala em retirada da proposta e admite a existência de um plano B até outro dia negado com veemência. Não quer posar de arrogante porque há o risco e, nessas horas, o pessimismo serve para unir a tropa e iludir o inimigo.
As ameaças de aumentar Imposto de Renda, suspender obras do PAC e restringir o Bolsa-Família também soam inverossímeis.
Em ano eleitoral o presidente Luiz Inácio da Silva não mexe no bolso do contribuinte, muito menos investe contra as jóias de sua coroa. Seria mais que um tiro no pé, dispararia contra o próprio peito.
Já bastam os vários petardos que o governo dirigiu contra si nesse processo de tramitação da CPMF e que contribuíram sobremaneira para a alteração do rumo dos ventos e podem ser listados por ordem de entrada em cena.
A absoluta imprevidência de deixar uma questão como essa, a única realmente importante da agenda parlamentar do governo e com data marcada para acontecer desde a última renovação há quatro anos, para a última hora.
O governo sabia das dificuldades no Senado, mas as menosprezou.
A arriscada imprudência de confiar na força da pressão dos governadores do PSDB, acreditando que, com isso, poderia livrar-se do varejo na base aliada e sair da história vangloriando-se da negociação altiva, de mérito.
A total ausência de senso de oportunidade ao deixar que seus aliados alimentassem a discussão sobre a possibilidade de um terceiro mandato ou alguma outra forma de continuidade no poder que não a disputa eleitoral conforme as regras atuais. Abriu, óbvio, guarda à oposição e sacudiu os brios adormecidos do PSDB.
A perigosíssima mistura do caso Renan Calheiros com a votação da CPMF, num acordo desastrado - até por desnecessário - que deu aos opositores a oportunidade de atrasar os trabalhos em duas semanas.
As atabalhoadas ações da líder do bloco governista no Senado, Ideli Salvatti, que conseguiu com muita habilidade e empenho fazer o PTB se desvincular de sua liderança.
E, por fim, a assinatura, de próprio punho, do presidente da República no aval à tese de que o governo não precisa da CPMF para fazer frente a compromissos indispensáveis, mas para gastar a rodo na construção do projeto de permanência no poder.
Com tudo isso, só não surpreende que a situação não tenha fugido totalmente ao controle porque, como ensinam os experientes, governo quando quer uma coisa e se empenha por ela, ganha sempre.
Diante da comédia de erros, a oposição se animou. Contabiliza 33 votos contra. Se for verdade, deixa o governo com apenas 48, 1 a menos que o mínimo necessário. Há tempo, porém, para o Planalto se rearticular.
Os oposicionistas sabem disso e correram para apressar a tramitação da CPMF, para brilhar no momento de conturbação e também obrigar o governo a, na urgência, suar a camisa, explicitar a busca de votos mediante troca de favores, nomeações, liberações de emendas e fazer mais cara a conta da, apesar dos pesares, ainda provável vitória.
Preliminar
A aprovação por 17 a 3, na Comissão de Constituição e Justiça, do relatório pedindo a cassação de Renan Calheiros não antecipa nem autoriza previsões sobre o julgamento final no plenário, terça-feira próxima.
Basta ver o voto de Romero Jucá, líder do governo e por diversas vezes atuante como advogado de defesa de Calheiros no Conselho de Ética. Ontem julgou-se a constitucionalidade do processo.
No mérito, outros quinhentos valerão. A preço de ontem, a surpresa será a absolvição. Vento que venta
A má notícia que vem da Bolívia e da Venezuela é o recrudescimento da pressão e repressão de Evo Morales e Hugo Chávez sobre seus adversários.
A boa é que há adversários. As duas Constituições, feitas à imagem e semelhança de seus comandantes, sofrem pesada reação. E, assim, quedam-se por ora apenas feridos os arautos da mistificação da ditadura travestida de democracia direta na América Latina.
Por aqui, os defensores da proposta da Constituinte exclusiva para fazer a reforma política sob a alegação de que o Congresso não a faz, se ingênuos ou calculistas, não interessa.
Importante é que observem como as coisas só dão certo até o momento em que começam a dar errado.
Eliane Cantanhede - Folha de S. Paulo - 29/11/2007
Chávez e as Farc
Com as crises internas na Venezuela e na Bolívia, marcadas por grandes manifestações e até mortes, talvez estejamos subestimando uma ameaça bem mais grave: o recrudescimento do confronto entre a Venezuela e a Colômbia.
Crises internas são mau sinal. Crises entre países são piores.
O Planalto e o Itamaraty insistem em dizer que está tudo bem e em achar que Hugo Chávez cutuca o colombiano Álvaro Uribe só para se fortalecer internamente.
Mas setores militares e de inteligência não estão tão tranqüilos assim. A beligerância entre Venezuela e Colômbia tem um peso geopolítico.
Os dois são os antípodas da América do Sul. Chávez, com seu "socialismo bolivariano", é adversário frontal dos EUA e de Bush. Uribe, fiel à cartilha neoliberal, é o mais confiável aliado de Washington. E ambos se alimentam das disputas históricas entre seus países.
Pode ser paranóia de milico, mas algumas boas patentes têm certeza de que Chávez não tentou de fato mediar uma negociação para Uribe soltar 500 presos das Farc em troca de 45 seqüestrados do grupo guerrilheiro.
Teria só arranjado um pretexto para meter a mão -e os pés- na política interna colombiana. Não, claro, a favor de Uribe.
O temor é que Chávez patrocine um candidato de esquerda, com apoio das Farc, para disputar as eleições de 2010 contra Uribe e, portanto, contra os EUA.
A soma do petróleo venezuelano com as drogas colombianas seria bilionária. E quem gostaria de um governo das Farc dentro da América do Sul?
Apesar dos tanques, rifles, aviões e submarinos nucleares russos de Chávez, o governo brasileiro acha que ele não chegaria a tanto, não se meteria a besta com os EUA.
Mas Chávez atuou abertamente nas eleições do Peru, da Bolívia e do Equador, pelo menos, e já ameaçou intervir caso derrubem Morales.
Então, é como as bruxas: ninguém crê, mas que ele pode, lá isso pode.
Clóvis Rossi
Folha de S. Paulo - 29/11/2007
Exaltação da mediocridade
Fernando Haddad, o ministro da Educação, telefona para dizer que jamais afirmou que "nunca" a escola pública será tão boa quanto a particular.
O que ele disse é que, "enquanto a escola pública não se qualificar", quem pode pagar põe o filho na escola privada, que acaba tendo melhores resultados.
Feita a correção, tenho que repetir o que já disse a ele e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em breve diálogo trilateral em Londres:
está levando tempo demais para "qualificar" a escola pública. Na verdade, requalificar, porque sou filho da escola pública e, no meu tempo, a excelência era dela, não do ensino privado.
Por falar nisso, o caminho para a "qualificação" está longe de ser o insinuado pelo prefeito Gilberto Kassab, qual seja, dar um prêmio aos professores que não faltem ou faltem menos.
Não é sério premiar quem apenas cumpre a sua obrigação primária que é a de comparecer ao local de trabalho.
Se os professores faltam porque o salário e as condições de trabalho são inadequadas, que se corrijam as inadequações. E se puna quem não cumpre sua obrigação.
O educador Tião Rocha, empreendedor social 2007, diz que a escola dos sonhos dele, que deveria ser o sonho de todos, é a que faz o aluno desejar freqüentá-la também aos sábados e domingos.
Premiar professores que não querem freqüentá-la com assiduidade nem de segunda a sexta é premiar a mediocridade.
Por falar em mediocridade, os torcedores do América de Natal deveriam considerar-se "abençoados por Deus".
É verdade que ficaram em 20º lugar entre os 20 clubes da elite do futebol brasileiro.
Mas o Brasil, no IDH da ONU, ficou em 70º entre os 70 países da elite e, mesmo assim, o presidente Lula se acha abençoado por Deus. Nunca antes neste país se fez tamanha exaltação da mediocridade.
29 de novembro de 2007
N° 15433 -Nilson Souza
Garranchite
De boas intenções, os cestos de lixo estão cheios. Outro dia, o governador de Brasília resolveu acabar com o gerúndio por decreto. Virou alvo de gozação nacional. Agora um dos nossos parlamentares apresentou um projeto para restringir os garranchos dos médicos nas receitas.
A intenção é nobre: evitar confusões na hora da compra dos remédios - reclamação antiga dos farmacêuticos, que atribuem muitos casos de intoxicação aos equívocos com os nomes dos medicamentos.
Com saúde não se brinca. Mas os médicos reagiram mal à proposta do ilustre deputado. Mesmo vivendo no mundo digital, querem continuar tendo (olha o gerundismo aí!) o direito de rabiscar letras cursivas nos seus receituários - alguns porque acham mais prático, outros porque atendem em locais precários, onde caneta e papel já é luxo.
Espero que não me acusem de charlatanismo, mas vou sugerir um remédio para este mal: o velho e eficiente caderno de caligrafia.
Senhores doutores, por favor, leiam a bula.
Nome genérico: Corretivol 500 ou 750 repetições. Composição: um caderno pedagógico com 40 folhas pautadas. Informação ao paciente: este tratamento é indicado aos portadores de garranchite, que sofrem de desleixo ortográfico (não confundir com dislexia). Informação técnica: o Corretivol só faz efeito quando praticado diariamente. Indicações:
tratamento de deformações de grafia presumidas ou causadas por bactérias insensíveis às conseqüências da ilegibilidade. Contra-indicações: hipersensibilidade nos dedos, calos no pai-de-todos e tendinites crônicas.
Advertência: não se recomenda o uso deste medicamento antes de cirurgias delicadas. Reações adversas: a maioria das reações adversas observadas foram de intensidade moderada, não exigindo interrupção do tratamento.
Posologia e modo de administração: pacientes graves devem usar o Corretivol cinco vezes ao dia, preenchendo no mínimo uma página por dose. A duração do tratamento depende da resposta clínica e emocional do paciente. Venda sem prescrição médica.
Apesar da má fama, médicos escrevem bem. Alguns podem não ter boa letra, mas muitos profissionais dessa área poderiam dar receitas de literatura (especialmente de crônica) a jornalistas e escritores.
Por isso, acredito que a maioria vai receber esta sugestão de tratamento com espírito esportivo. Se alguém se sentir ofendido, porém, por favor me escreva. De preferência, com letra de fôrma.
Uma ótima quinta-feira para todos nós ainda ensolarada por aqui.
29 de novembro de 2007
N° 15433 - Leticia Wierzchowski
Um vazio na minha janela, parte 2
Dia desses, movida pela tristeza das casas vazias esperando demolição na rua ao lado da minha, escrevi um texto que me rendeu muitos e-mails.
Ao que parece, há uma legião de pessoas em Porto Alegre sofrendo com a verticalização descontrolada da cidade - esses altos e desengonçados prédios que sobem contra o azul como uma espécie de vírus muito contagioso e incurável...
Da mesma forma, são muitos e muitos os que deixaram para trás as espaçosas casas de outrora, com seus pátios ensombreados e seus portões que rangiam (ah, os poemas do Quintana!), por medo da violência, essa outra grave doença que nos acomete.
Exatamente hoje as duas casas da rua dos fundos - onde, nos últimos anos, eu via as crianças brincarem e ouvia seus risos subirem feito pássaros até minha janela - começaram a ser demolidas.
Acabaram-se os latidos do labrador cor de mel: acordamos mais tristes com o ruído das telhas atiradas ao chão, e o vazio da minha janela tornou-se mais palpável: já uma das casas perdeu seu telhado e mostra suas entranhas ao céu como um triste cadáver dissecado no azul da manhã de sexta-feira.
Com o perdão do clichê, esse é o começo de um final. Mais do que a paisagem alegre, aqui em casa ficarão para trás o sol matutino e o silêncio entrecortado de passarinhos que nos brindava ao alvorecer.
Meus filhos, o que agora dorme e o que virá, conhecerão o barulho das fundações e o matraquear incessante dessas máquinas que parecem dinossauros de aço.
E eu, o que me resta? Vou procurar nas páginas amarelas uma dessas empresas de vidros anti-ruídos - que palavra mais feia, e ainda por cima composta!
Pois no meio de tudo isso, uma coisa bonita brinda a minha tarde: entre meus e-mails, um achado. Recebo notícias da vizinha que não conheci, cuja vida transcorreu durante anos, junto com o marido, os três meninos e a cachorra Meg, numa dessas duas casas que ora pranteio.
Ela me escreve dizendo que deixou para trás a casa paterna, onde criou os filhos e foi muito feliz, por simples medo do barulho de um prédio que estava por vir. A partida deles deixou a rua mais triste, e aumentou as proporções do prédio em questão. Mas vão-se os vizinhos, ficam as boas histórias.
O e-mail dela me comoveu às lágrimas e, por alguns instantes, enquanto eu lia dos três meninos e da vida que ora levam em alguma casa numa zona mais serena da cidade, o bulício alegre chegou outra vez aos meus ouvidos, e eu quase pude ver, como outrora, o mais pequerrucho deles, loirinho, dando os primeiros passos no quintal verde que agora é um cemitério de telhas quebradas.
29 de novembro de 2007
N° 15433 - Paulo Sant'ana
O apocalipse do trânsito
As concessionárias gaúchas de carros venderam 100 mil veículos este ano, até agora.
Isto quer dizer que as concessionárias brasileiras já venderam 2 milhões e 100 mil carros até novembro.
Eu levo 30 minutos para vir do Iguatemi, onde moro, para o Morro Santa Teresa, na televisão. Este tempo, há poucos anos, se levava para vir de Novo Hamburgo a Porto Alegre.
O trânsito engarrafado de Porto Alegre está tão irritante, que há pessoas que cortam trajetos passando por dentro dos shoppings, ainda que tenham de tirar um tíquete na entrada e entregá-lo gratuitamente na saída. Sai mais em conta no tempo do que permanecerem no engarrafamento.
Dois shoppings que encurtam o trajeto são o Total e o Zaffari da Bordini.
A impressão que dão as avenidas de Porto Alegre é de que há mais carros na cidade do que habitantes.
Vocês acham que estou brincando? Pois saibam que esses dias li um anúncio no ZH Classificados de venda de um apartamento de um quarto com duas vagas na garagem.
Em Porto Alegre, há edifícios, que já foram ou estão sendo entregues aos novos moradores, que têm o triplo de vagas na garagem do que o número de apartamentos. E muito em breve as áreas de estacionamento dos edifícios terão o dobro do espaço reservado aos apartamentos.
Tanto no Hospital São Lucas da PUC quanto no Hospital Moinhos de Vento, há mais carros estacionados nas garagens do que a soma de médicos e pacientes.
Na marcha que vai, já sei como será o trânsito nas vias de Porto Alegre e das grandes cidades nas próximas décadas: haverá, como acontece com o sistema de saúde, avenidas destinadas aos motoristas do SUS e outras avenidas, as mais rápidas, para os motoristas da Golden Cross, que pagarão pedágio altíssimo para fugirem do sistema gratuito do tráfego.
E para sair com o seu carro às ruas por um só dia, os motoristas do sistema gratuito terão de inscrever-se com uma semana de antecedência nas filas, como acontece nas filas de cirurgia do SUS.
Não sei qual será a solução para este Apocalipse do trânsito que já começamos a sofrer e vislumbrar.
A idéia de que num dia só podem trafegar as placas de final ímpar e no dia seguinte as de final par é pífia: ela é fraudada ao natural pelas pessoas que vão ter um carro de final ímpar e outro de final par.
E à medida que forem afunilando a restrição, é tão grande a facilidade para comprar carros a crédito atualmente, que se na segunda-feira só puderem trafegar os carros de placas com final 1, na terça-feira com final 2, na quarta-feira com final 3 e assim por diante, cada pessoa vai comprar carros com todas as 10 unidades finais das placas.
Já há e haverá cada vez mais casos de famílias que têm mais carros do que membros, pais que têm mais carros do que filhos.
Antigamente, quando um filho se formava na universidade, os pais davam-lhe uma caneta de presente.
Hoje, dão um carro zero. O segundo, porque o primeiro já tinha sido ganho quando completou a maioridade.
Está um inferno dirigir em Porto Alegre e cada vez mais são lançados carros zero no mercado. No meu edifício, há duas empregadas domésticas que têm carros populares.
E esses dias, na sinaleira, um mendigo me pediu dois reais dirigindo um Corsa.
A situação está tão braba, que nas sinaleiras tem motorista pedindo esmola pra pedestre.
29 de novembro de 2007
N° 15433 - Luis Fernando Verissimo
Guerra de fronteira
As fronteiras ideológicas da Guerra Fria atravessavam países e continentes, separando o "mundo livre" do outro e dos simpatizantes do outro. A não ser que visitasse um país comunista ou freqüentasse algum "aparelho", você nunca as cruzava.
Sequer as via. Independentemente das suas simpatias ou eventuais rebeldias, vivia dentro de um perímetro comum bem definido. Com o fim da Guerra Fria, as fronteiras ideológicas desapareceram e nos vimos dentro de outra macrogeografia, a das fronteiras econômicas. Estas são visíveis demais.
Separam bairros, dividem ruas, são fluidas e ondulantes - e no Brasil você as cruza todos os dias. Mais de uma vez por dia você passa por flóridas, suíças, bangladeshes, algumas bolívias... E em cada sinal de trânsito que pára, está na Somália.
É impossível proteger estas fronteiras como se protegiam as outras. A grande questão do novo século é como defender seu perímetro pessoal da miséria impaciente e predadora à sua volta.
Os americanos não podem ajudar desta vez, a fronteira maluca ziguezagueia dentro dos Estados Unidos também. No Brasil da criminalidade crescente e da bandidagem organizada, as fronteiras econômicas são, cada vez mais, barricadas e terras de ninguém.
No fim é uma guerra de contenção, de proteção de perímetros. E os excessos cometidos são defendidos com a velha frase, que foi o adágio definidor do século 20 e ganha força no século 21: os fins justificam as barbaridades.
As chacinas de lado a lado, o poder de pequenos tiranos com ou sem uniforme de aterrorizarem o cotidiano de todo o mundo, tudo é permitido porque é uma luta de barreira, onde se repelem ou se forçam tomadas de território, como em qualquer fronteira deflagrada. Cara a cara, nação contra nação.
Há um sentimento generalizado, mesmo que não seja dito, que a maior parte da população do mundo é lixo. Excrescência irrecuperável, condenada a jamais ser outra coisa.
Esta não é certamente uma constatação nova e nem qualquer utopista ultrapassado chegou a pensar que o contrário era completamente viável.
A novidade é que hoje se admite pensar o mundo a partir dela. Já se pode dormir com ela. A ordem econômica mundial está baseada na inevitabilidade de a maior parte do planeta ser habitada por lixo irreciclável.
Ser "politicamente correto" hoje é dizer o que ninguém mais realmente pensa - sobre raças, sobre os pobres, sobre consciência e compaixão - para não parecer insensível, mas com o entendimento tácito de que só se está preservando uma convenção, que a retórica dos bons sentimentos finalmente substituiu totalmente os bons sentimentos.
É a intuição destes novos tempos sem remorso que move o entusiasmo crescente do público com a truculência policial na nossa guerra do dia-a-dia.
Nem tem sentido discutir se as vítimas mereceram ou não. Não existe lixo inocente ou culpado. O que está no lixo é lixo. Demasia. Excesso. Excrescência.
quarta-feira, 28 de novembro de 2007
Segurança, sim; barbárie, nunca
ANA JÚLIA CAREPA
Eis a condição que herdamos e que estamos empenhados em transformar. No caso da adolescente, o governo tomou medidas imediatas
A DETENÇÃO de uma adolescente numa cela de delegacia junto com homens durante 20 dias é algo abominável, bárbaro e inadmissível.
O fato de ter acontecido no Pará -embora não seja algo passível de acontecer apenas no Pará- corrobora a idéia, verdadeira, de que existe uma situação histórica dramática no Estado. É a condição herdada por décadas de descaso com os direitos humanos.
O sistema de segurança pública que encontramos quando assumimos o governo há quase 11 meses era uma máquina sucateada.
Além das dívidas, num montante de cerca R$ 290 milhões, sendo R$ 32 milhões na área da segurança, o número de agentes de segurança pública não correspondia às necessidades da sociedade.
Um único concurso público para a área da segurança foi realizado nos 12 anos anteriores. Não havia planejamento de ações integradas. Não encontramos diagnósticos ou análises.
Não havia policiamento especializado nas questões de gênero, exploração sexual e tráfico de seres humanos.
O cenário era de progressiva privatização dos serviços de segurança, fruto da ausência e da omissão do Estado.
É essa a condição que herdamos e que estamos empenhados em transformar.
No que se refere ao caso específico da adolescente, o governo tomou medidas imediatas: a proteção da jovem e de seus familiares e o afastamento do superintendente regional de polícia, de dois delegados envolvidos no caso e de três agentes prisionais, bem como a abertura de inquérito na Corregedoria da Polícia Civil.
O governo determinou, também, a realização de uma varredura completa no sistema de delegacias do Estado, verificando as condições de funcionamento de 150 unidades policiais em 132 municípios.
A varredura levantará em poucos dias as condições de trabalho dos servidores e de acomodação dos presos sob a responsabilidade do Estado.
Editamos decreto que determina a imediata transferência de presos quando a autoridade policial avaliar falta de condições mínimas de detenção. Com essa medida, reorientamos decisão do Judiciário do Pará, que não permitia a transferência de presos sem expressa autorização judicial.
Em pouco tempo, serão entregues seis novas delegacias no interior do Estado e mais cinco reformadas, todas com carceragem própria para mulheres.
Com verbas do governo federal, via Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), serão construídos um presídio, com 420 vagas, e dois minipresídios, com 136 vagas cada um. As medidas visam garantir tratamento digno para todos os presos.
O presidente Lula garantiu, ontem, que atenderá, ainda em 2007, a um conjunto de demandas da área da segurança pública que lhe foram encaminhadas pelo governo do Pará.
Esse investimento soma cerca de R$ 90 milhões, recursos que serão usados em ações do programa Segurança Cidadã.
O que nos trouxe ao governo do Pará foi o compromisso com a transformação da realidade social. Nosso programa de governo, centrado na proposição de um "Novo Modelo de Desenvolvimento" para a Amazônia, está orientado pela sustentabilidade ambiental e social e para a melhoria da qualidade de vida de todos os paraenses.
Essa transformação não é apenas necessária. Ela é condicional para o futuro do Pará. Se não tivermos coragem para fazê-la, não seremos capazes de reverter os índices sociais críticos que têm acompanhado a história recente do Estado.
Não se contém violência apenas com repressão. Se as ações repressivas são necessárias para conter a escalada desse mal, elas, no entanto, não são garantia de reversão dos quadros negativos existentes.
A violência é social e só é contida com educação, com saúde, com acessibilidade, com tecnologia, com a assistência social consciente e com uma politica de segurança que envolva a população, tornando-a co-responsável pela gestão dos recursos e dos processos da defesa social.
Apesar de os setores mais conservadores e elitistas da sociedade brasileira estarem procurando associar minha imagem às condições críticas da segurança pública no Pará, temos certeza de que prevalecerá a percepção do nosso profundo compromisso com a transformação social.
Temos a coragem e a humildade de assumir e reconhecer as condições negativas da segurança e da defesa social no Estado do Pará e para construir um plano de ação que seja conseqüente, efetivo e ágil.
Esse é o meu compromisso de governadora, mãe e mulher. É o compromisso central do governo do Pará na área de segurança pública: garantir a tranqüilidade de todas e todos, no campo e na cidade, com profundo respeito aos direitos humanos.
ANA JÚLIA CAREPA, 49, formada em arquitetura e urbanismo, é governadora do Estado do Pará. Foi senadora da República pelo PT-PA.
CLÓVIS ROSSI
Fatalidade
SÃO PAULO - Ler o mais recente relatório sobre o desenvolvimento humano da ONU traz à memória, inexoravelmente, esta frase de Mário de Andrade: "Progredir, progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade".
Ou, como prefere um contemporâneo, o economista brasileiro Flávio Comin, um dos autores do relatório de desenvolvimento humano divulgado ontem pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), é preciso ter cautela na hora de avaliar a importância da classificação do Brasil entre os países de alto desenvolvimento humano.
"O Brasil vem avançando em termos absolutos e caindo em termos relativos", diz Comin. Ou, usando uma formulação que vai se tornando lugar-comum, mas nem por isso é incorreta: "É a questão do copo meio cheio ou meio vazio. Para mim, o copo está meio vazio".
O que torna o copo ainda mais vazio é o fato de que o PNUD compra, como é a praxe, a versão oficial de que a desigualdade no Brasil está se reduzindo, o que não é fato.
O que há, conforme pesquisadores do Ipea já atestaram, é uma elevada subdeclaração dos rendimentos financeiros por parte dos mais ricos, enquanto os mais pobres declaram sua renda real, o que faz parecer que a distância caiu.
Não caiu, atesta o próprio presidente do Ipea, Marcio Pochmann, em texto de julho para o jornal "Valor Econômico":
"A parte da renda do conjunto dos verdadeiramente ricos afasta-se cada vez mais da condição do trabalho, para aliar-se a outras modalidades de renda, como aquelas provenientes da posse da propriedade (terra, ações, títulos financeiros, entre outras). (...)
A renda dos proprietários (juros, lucros, aluguéis de imóveis) cresceu mais rapidamente que a variação da renda nacional e, por conseqüência, do próprio rendimento do trabalho". É, pois, "tiquinho" e "fatalidade".
crossi@uol.com.br
JOSÉ SIMÃO
Ueba! Kassab lacra Bar das Guerreiras!
E o São Paulo festejando ao som de "We Are the Champions'? É o Bambionato Brasileiro!
BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!
Eu tenho uma amiga que fez plástica no peito porque tinha um peito tão grande, mas tão grande, que quando pulava corda ficava com o olho roxo! Rarará!
E continua com sucesso o mais novo serviço latrino-americano: "Xingue o Chávez! No te calles". Você liga pra Venezuela e fica xingando o Chávez: "Fanfarrón! Fanfarrón! Piede para salir". Rarará!
E sabe como é o plebiscito na Venezuela? 1) Concordo muito. 2) Concordo muitíssimo. 3) Concordo tanto que nem eu mesmo acredito. 4) Concordo e minha mãe também!
Rarará! E diz que o problema do Chávez é que ele quer imitar Cuba pela metade. Mais especificamente pela PRIMEIRA metade! E o São Paulo comemorando a taça ao som de "We Are the Champions", da banda inglesa Queen?
Nós, são-paulinos, já temos fama de bambi, e o time ainda comemora ao som de Freddie Mercury?!
Rarará! É o Bambionato Brasileiro! Rarará!
E essa: "Banco Holandês vai lançar créditos de carbono para a Amazônia". E como é o nome do banco? Rabobank. Entendi: o Rabobank vai usar seus fundos para controlar emissão de gases. Rarará!
E eu sei como controlar a emissão de gases. Bota uma rolha no fiofó do Bush! E sabe quem é culpado pelo aquecimento global?
VOCÊ! Por ter nascido! A sua existência ameaça o planeta!
É mole? É mole, mas sobe! Ou, como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! Antitucanês Reloaded, a Missão.
Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.
É que, no interior desse Brasilzão, tem um bar chamado Bar das Guerreiras! Deixa o Kassab saber disso! LACRA as guerreiras!
Rarará!
Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil! E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Cheque caução": peça de vestuário masculino que a gente deixa na tesouraria do hospital. Rarará!
O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno! E vai indo que eu não vou!
simao@uol.com.br
28 de novembro de 2007
N° 15432 - Martha Medeiros
Entrelinhas
Quando se lança um novo livro, responde-se a entrevistas aqui e ali, e é normal que perguntem qual o aspecto mais positivo da profissão.
Se o assunto é relacionado à crônica, desfio logo minha lista de vantagens: são várias as alegrias de se escrever em jornal. Mas, quando me perguntam as desvantagens, empaco. São poucas. Pensando bem, uma só.
É quando as pessoas tentam adivinhar o que você está sentindo, o que você está vivendo, o que está acontecendo com você, afinal. Se o lado A dessa superexposição é o carinho que a gente recebe dos leitores, o lado B é quando interpretam coisas que não foram ditas.
De certa forma, faz parte do jogo. Eu também, ao ler um colunista, posso até intuir que ele está pensando em trocar de cidade, ou que brigou com a mulher, ou que está mal de dinheiro. Só que eu não mando e-mails para consolá-lo.
Outro dia recebi um e-mail enorme de uma leitora que me fez um diagnóstico preciso e indiscutível: eu estava com depressão. Respondi agradecendo a preocupação, mas que ela ficasse aliviada, estou vivendo a melhor fase da minha vida.
Ela me pediu então para enfrentar a realidade, não mascarar minha dor. Calei. Quem melhor do que ela pra saber?
Passou uma semana e recebi um e-mail de uma outra leitora que me perguntava se eu havia brigado com meu namorado. Não, não brigamos, está tudo ótimo. "Bem capaz! Admita. Brigaram, claro. Pode se abrir comigo." Melhor não contrariar, deixei por isso mesmo.
E um cara me veio com esta uma vez: "Por que você tem tanto ódio dos homens?" Fiquei chocada. Eu? Euzinha? Mas de onde tiram essas idéias?
Tiram das entrelinhas, este espaço onde nada está escrito, mas que todo mundo lê. O comentário implícito que nem sempre foi feito, mas que já está sendo estudado em salas de aula.
Esta zona nebulosa que atiça a imaginação dos mais criativos. O silêncio que fala o que o leitor escolheu ouvir. Um vazio que ninguém assina, e por isso mesmo não tem dono: qualquer um pode ser o autor das entrelinhas.
E não raro as entrelinhas do leitor anônimo são muito melhores do que as nossas linhas. A gente se esforça para dar uma opinião e o leitor, durante a leitura, já vai elaborando uma contra-argumentação bombástica.
Ao chegar ao final do texto, em quem ele vai acreditar, em nós ou nele mesmo? Que pergunta.
Pensando bem, escrever crônicas só tem vantagens, desde que a gente não se importe de concorrer com as entrelinhas que alguns leitores escrevem junto, mas pelas quais não se responsabilizam, ao contrário: tentam nos convencer de que é tudo coisa nossa.
Depois não querem que a gente entre em depressão.
Excelente Dia Internacional do sofá - esta quarta-feira, ainda ensolarada por aqui.
28 de novembro de 2007
N° 15432 - David Coimbra
A herança do rei
Francisco Rufino de Souza Lobato era o nome do camareiro real encarregado de aliviar sexualmente o rei Dom João VI.
Não se tratava de sacanagem propriamente dita, não vá pensar mal do nosso primeiro soberano, filho da nossa primeira soberana, Maria I, a Rainha Louca, pai do nosso segundo soberano, Dom Pedro I, avô do nosso último soberano, Dom Pedro II. Na verdade, tudo até acontecia de forma bastante pudica e reservada entre o rei e seu dedicado fâmulo.
É que Dom João enfrentava problemas nessa área íntima. A mulher dele, a princesa espanhola Carlota Joaquina, era baixa, magra, manca e tinha bigode. Não bastasse a aparência desestimulante, vivia maquinando para derrubar o marido.
Tentou cinco golpes de estado, fracassou em todos. Mesmo assim, geraram nove filhos, embora os historiadores duvidem da paternidade dos cinco últimos.
Seja. O certo é que Dom João e Carlota Joaquina se separaram antes ainda de vir para o Brasil. Separaram-se de fato, não de direito.
Permaneciam juntos, como um harmônico casal real, durante as cerimônias públicas, mas, em Portugal, viviam em castelos diferentes, depois atravessaram o Atlântico em navios diferentes e, no Rio de Janeiro, moravam em bairros diferentes.
Ao que se sabe, Dom João VI não se entusiasmava com a possibilidade de angariar amantes como alternativa a uma vida matrimonial fracassada. Bem ao contrário de seu filho e sucessor. Dom Pedro I também teve uma vida matrimonial malsucedida, mas reagiu a ela.
E como! Ano passado, estive em Viena e fui visitar o palácio de Maria Tereza da Áustria, a mãe de Leopoldina. Essa Leopoldina viria a ser a primeira imperatriz do Brasil, ao casar-se com Dom Pedro. No giro pelo castelo, passamos por um retrato de Dona Leopoldina.
A austríaca que nos guiava apontou para o quadro, falou brevemente de Leopoldina e, a seguir, começou a desancar Dom Pedro. Tratava-se de homem violento, disse a guia. Um bruto. Um selvagem. Era dado a acessos de fúria e, num deles, matou a infeliz Leopoldina a pontapés.
Não cheguei ao ponto de me alçar em ardores patrióticos a fim defender o proclamador da nossa independência, mas fiquei em dúvida. Terá Dom Pedro realmente assassinado Dona Leopoldina? Preciso pesquisar.
Mas voltando a Dom João. Sabe-se apenas de uma única amante sua, da qual se destrinçou antes de emigrar para o Brasil. Uma só. Tão contido, para a época, que beirava o escândalo. Suponho que, por ser um preguiçoso militante, Dom João talvez achasse que amantes davam muito trabalho.
No que tinha toda razão - um relacionamento com uma mulher não é tão-somente um relacionamento; é um empreendimento, algo cheio de conseqüências imprevisíveis e, geralmente, dispendiosas.
Assim, Dom João dispensava as mulheres. Preferia o camareiro Rufino, que o masturbava com devoção na alcova real, sendo promovido inúmeras vezes por seus competentes serviços.
Tais pormenores acerca de Dom João eu os li no ótimo "1808", de Laurentino Gomes, que descreve um rei com pernas e nádegas extraordinariamente gordas, lábio inferior pendente e vontade fraca.
Dom João tinha medo de caranguejos e trovoadas, jamais tomava banho e usava sempre a mesma roupa, cheia de bolsos nos quais guardava pequenos frangos desossados fritos na manteiga, que ele devorava ciosamente entre as refeições.
Falava de si mesmo na terceira pessoa. "Sua Majestade quer comer". "Sua Majestade está com sono". Hábito de reis, como Pelé demonstrou mais tarde.
Foi esse monarca quase boçal que enganou ninguém menos do que Napoleão, em 1807. Napoleão exigia que Portugal rompesse com a Inglaterra e participasse do bloqueio continental.
Dom João prometeu que romperia. Não rompeu. Foi postergando a ação, enquanto se preparava para fugir para o Brasil. Fugiu, deixando Napoleão a suspirar:
- Foi o único que me enganou.
Poucos entendem como Dom João VI conseguiu essa proeza. Acontece que as qualidades que Dom João empregou nela são também os seus defeitos.
Que transmitiu aos brasileiros, como uma herança de sangue. Nossa elogiável tolerância, nosso detestável desleixo. Com seus predicados, o brasileiro se concede toda criatividade e forja gênios da bola.
Com suas deformidades, deixamos que parte de um estádio desabe por falta de conservação. Tudo culpa de Dom João VI. Tudo graças a ele.
28 de novembro de 2007
N° 15432 - Paulo Sant'ana
O fim de tudo e de todos
Recebi ontem da revista Press o título de melhor colunista de jornal, empatado com o Fernando Albrecht, do Jornal do Comércio.
Subi ao palco e fiz o seguinte improviso:
Como dizia um gênio nosso, falecido recentemente, o Jayme Caetano Braun, num verso do poema Galo de Rinha: "Porque na rinha da vida/ já me bastava o empate".
Pablo Neruda, outro gênio, escreveu à sua amada: "Existem outras mais altas do que tu/ existem outras mais inteligentes do que tu/ e existem até outras mais belas do que tu/ Mas tu és a rainha".
Repetindo Neruda, quero dizer que o Juremir Machado da Silva é mais polêmico do que eu. O Fernando Albrecht é mais aguçado do que eu. O David Coimbra é mais fulgurantemente emergente do que eu. E indubitavelmente o Luis Fernando Verissimo é mais talentoso do que eu.
Mas eu sou o mais ansiosa e famintamente consumido pelo público todos os dias. Eu sou visivelmente o mais lido.
Então passa merecidamente para cá este troféu.
O médico e filósofo holandês que mata os pacientes terminais que suplicam para que ele acabe definitivamente com seus sofrimentos, na entrevista que deu para o Fantástico, surpreendeu-se que a entrevistadora estivesse tão espantada que um médico elegesse a morte como objetivo de seu trabalho, apoiado pela lei do seu país.
E minimizou os efeitos da morte: "Nós todos morremos todas as noites, quando dormimos. A morte não é outra coisa que o sono sem sonho.
E estas 25 pessoas que matei a pedido delas apenas mergulharam num sono definitivo. Não tem nenhuma importância para elas a sua morte, assim como não teve para o mundo a sua inexistência durante os 65 milhões de anos que decorreram na Terra antes que elas tivessem nascido".
Interessante o que o médico disse. Parece óbvia, mas é curiosa a comparação do sono com a morte.
E se a morte é o sono sem sonho, talvez o sonho então seja um aviso que recebemos, quando estamos dormindo, de que ainda não morremos. O sonho no sono, portanto, é um alento, uma manifestação de vida.
Eu gosto deste assunto porque sempre acreditei que com a nossa morte não é só a nossa vida que acaba. Acaba o mundo, acaba a vida dos outros também.
Não existe vida para os que sobrevivem a nós, só existe vida nos outros e em tudo quando podemos sensorialmente reconhecê-la.
Se nós morremos, tudo acaba também, as selvas, os mares, os ares, a Terra, os astros, os animais e todos os terráqueos. Porque eles só existem enquanto nossos sentidos os registram, tudo isso se apagará quando nós nos findarmos individualmente.
Não é assim nada megalomaníaca a idéia de que cada um de nós é o centro do mundo, o mundo só existe porque ele é captado pela nossa percepção.
E se com a nossa morte está extinta a nossa percepção, quando morremos fica decretado um Nada, só não definitivo porque dele emanará nova realidade quando outra criatura nascer ou outra coisa for criada.
Por essa minha teoria, as pessoas não têm nada que lamentar a possibilidade da morte, não há qualquer desperdício em deixar de viver.
Ninguém ficará aqui na Terra gozando a vida depois que morrermos. E também mais ninguém terá qualquer sofrimento.
Pelo motivo de que a vida nossa, de tudo e de todos só existe no curto e exíguo espaço que vai do nosso nascimento até a nossa morte.
Tudo o mais que nos cerca na vida só existe porque pertence ao nosso conhecimento e por isso vai morrer junto conosco.
Por essa minha idéia, o testamento é documento da mais completa inutilidade.
28 de novembro de 2007
N° 15432 - Diana Corso
"Fazer um câncer"
Woody Allen escreveu certa vez sobre as palavras mais maravilhosas que ele já escutou: "É benigno". A Zero Hora tem publicado histórias de mulheres que foram informadas do contrário, descobriram estar com câncer de mama. Com diversos graus de proximidade, muitos de nós vivemos histórias como as delas.
Não faltam doenças que nos apavorem, e supomos que podemos prevenir, ou pelo menos remediar, a maior parte delas.
Outras são desconhecidas de nós, leigos, para nossa sorte, senão ninguém dormiria. E há o câncer, espécie de inimigo interno, algo que pode estar acontecendo com qualquer um de nós, a qualquer momento da vida, em qualquer parte do corpo.
Doença assustadora pela sua letalidade, mas também por sua característica: de não ser algo "que se pega", mas que se desenvolve; é fabricada em nosso interior, faz parte de nós. A mesma reprodução celular que nos faz crescer e renovar nosso corpo também ameaça nossa vida.
Da minha parte, além da angústia que acompanha a mamografia anual, há algo a mais que me preocupa. É uma psicologia selvagem que faz com que muitos pacientes se auto-acusem por terem "feito um câncer".
As estatísticas apontam que uma porção significativa das pessoas diagnosticadas com câncer estaria passando por período de perdas, luto ou depressão, o que é um fato.
Por outro lado, é difícil precisar quantas pessoas estariam tristes sobre o planeta para saber se elas desenvolveram um câncer ou não e qual seria a "gota dágua" que transformaria uma depressão numa doença física, tenta-se.
A descoberta de que somos suscetíveis a doenças psicossomáticas, de que nosso inconsciente pode desencadear processos autodestrutivos e que nosso estado de ânimo influencia no andamento da cura ganhou uma generalização abusiva.
Certo senso comum já qualifica como se todas as doenças fossem causadas unicamente pelo psiquismo do paciente. Isso não ajuda, sobrecarrega com culpa o sofrimento, além de que alimenta os onipotentes, que deixam de tomar os cuidados necessários por sentirem-se felizes ou otimistas.
É sempre bom lembrar que nosso organismo flui, bate e envelhece à revelia da nossa vontade, mesmo a inconsciente. Subestimamos a autonomia e força do corpo com a mesma pretensão com que impomos à nossa pobre máquina que funcione sem manutenção nem cuidados, que nos proporcione prazeres sem cessar.
Em geral, ele não nos obedece, faz exigências e impõe seus desígnios.
Além disso, são muitas as coisas que nos deixam deprimidos, e boa parte delas não é óbvia como a morte, o abandono amoroso ou o desemprego. Há muitos graus na tristeza, desde uma depressão grave até formas mais difusas, nas quais a vida vai perdendo as cores sem uma razão aparente.
Mesmo bons momentos, como após uma vitória, uma viagem, um casamento, um filho ou neto, podem, paradoxalmente, desencadear um período de depressão. As variações são infinitas, a tristeza tem tantas faces que é difícil quantificar sua culpa nas doenças que nos afligem.
terça-feira, 27 de novembro de 2007
CARLOS HEITOR CONY
"O Aprendiz do Tempo"
RIO DE JANEIRO - A Nova Fronteira está lançando a nova obra de Ivo Pitanguy, "O Aprendiz do Tempo", histórias vivas e vividas pelo famoso cirurgião plástico, um dos cinco brasileiros conhecidos mundialmente pelo valor com que exercem a profissão.
Fui escolhido para fazer a apresentação do livro, na qualidade não de cliente, mas de amigo há mais de 30 anos e seu colega na Academia Brasileira de Letras.
Já o vi operando em sua clínica, mergulhando nas águas da baía de Angra dos Reis, atuando na presidência do Museu de Arte Moderna (Rio), onde organizou a exposição de Dufy, uma das melhores daquela entidade.
Mas, sobretudo, muito conversamos sobre literatura, principalmente a francesa, da qual é um conhecedor surpreendente, pois não fica apenas nos poetas, mas nos ensaístas.
O livro revela a intimidade com autores alemães, ingleses e espanhóis, e, no seu convívio diário, é sempre com prazer que ele cita um deles, sempre no original.
Bom conversador, viajado pelo mundo, com amigos em toda a parte, só se cala quando um incauto pergunta sobre os clientes que o procuraram e ainda procuram, uma lista que inclui celebridades mundiais do cinema, da política, dos negócios e dos esportes.
A leitura do seu livro pode parecer a biografia de um sucesso.
Um sucesso múltiplo, que atingiu todas as camadas de uma personalidade movida por duas motivações: a vontade de saber e a necessidade de atuar.
Para atingir os dois objetivos -saber e atuar-, desde jovem ele fez sua opção básica: estudar e trabalhar.
Não foi escudado em relações e patrocínios. Trabalhou em ambulâncias, subiu morros, nunca recuou diante dos desafios do modesto meio técnico e científico que se apresentava à sua geração.
Fiquem com os anjinhos e que a quarta-feira seja excelente para todos nós.
ELIANE CANTANHÊDE
Ao Estado, às feras
BRASÍLIA - Sabe o que mais assusta na história da menina de 15 anos jogada às feras no Pará? É que a delegada, Flávia Pereira, e a juíza, Clarice de Andrade, são mulheres.
Sem contar a governadora, Ana Júlia Carepa. Eu adoraria saber se elas têm filhas, se têm cachorros ou gatos. E como os tratam.
Duas mulheres. Uma delegada que deve preservar a segurança e a ordem. Uma juíza responsável pelo cumprimento das leis e pela garantia dos direitos individuais.
E ambas conseguem olhar para aquela criança mirrada e infeliz, suspeita de um crime banal, e tratá-la pior do que a um bicho danado.
Quando rapazes de classe média ateiam fogo a um índio que dormia na rua em Brasília e quando outros esmurram uma empregada doméstica num ponto de ônibus no Rio, já é sinal de doença, mas da classe média, das famílias.
O que ocorre no Pará é pior: a doença é do próprio Estado, contaminando seus agentes e os cidadãos -por que calaram diante dos gritos desesperados?
A desculpa era que ela seria maior de idade. Ah, bem! Ou que se prostituía.
Ah, bem! Então pode? Não, não pode. Seria monstruoso de qualquer jeito. Ter 15 anos, ser pequena e frágil, só torna tudo pior. L., 15, foi largada pelos pais incapazes e pelo tio irresponsável. Vivia pelas ruas. Não é ré, é uma vítima da pobreza e da ignorância.
O Estado tinha o dever de salvá-la, mas foi seu pior algoz. Jogou-a às feras, numa cela cheia de homens. Aplicou-lhe queimaduras, fome e violência sexual. A quem recorrer?
Juízes e advogados "finos" de São Paulo e do Rio são ágeis para criticar a polícia por algemar presos grã-finos diante de câmeras de TV. Ou para inundar os jornais defendendo a "decisão técnica" do Supremo que liberou o banqueiro Cacciola para ter um vidão na Europa.
E agora, senhores, o que têm a dizer sobre delegadas e juízas capazes de tal atrocidade? Que tipo de punição "técnica" elas merecem?
elianec@uol.com.br
CLÓVIS ROSSI
Com muito orgulho
SÃO PAULO - No jogo Brasil x Uruguai, no Morumbi, ouviu-se o velho cântico: "sou brasileiro, com muito orgulho". Orgulho de quê?
1 - Orgulho de saber que uma menina é colocada em cela com um bando de homens, violentada seguidamente e ninguém fez nada?
2 - Orgulho de saber que relatório de entidades de defesa da mulher, já em março, havia apontado abusos contra presas não só no Pará mas em outros quatro Estados e ninguém fez nada?
3 - Orgulho de saber que a governadora do Pará culpa o governo anterior, embora esteja no posto há 11 meses e não tenha feito nada?
4 - Orgulho de saber que o Ministério Público já tentara interditar o estádio da Fonte Nova no ano passado, por falta de segurança, e ninguém fez nada, deixando que morressem sete pessoas e outras 85 ficassem feridas?
Só falta agora o governador culpar o antecessor, embora também esteja há 11 meses no cargo.
5 - Orgulho de ouvir o ministro da Educação dizer que a escola pública "nunca" terá a mesma qualidade da escola particular, embora a imensa maioria das crianças brasileiras esteja condenada a estudar na escola pública e, por extensão, condenada a receber menos do que o aluno da escola privada?
É esse conformismo que perpetua a desigualdade obscena que prevalece há séculos na pátria. Educação de qualidade para a maioria é uma das poucas maneiras de ao menos reduzi-la.
6 - Orgulho de ver autoridades tentando provar que a menina presa com homens no Pará não tinha 15 anos, mas 19? Se tivesse 60 anos, deveriam então ser condecorados os responsáveis pela barbárie?
7 - Orgulho de ver, dia sim, outro também, cenas e frases como essa ou parecidas demonstrarem o quanto o país é primitivo? Cantemos, pois. É tudo o que resta aos bárbaros.
crossi@uol.com.br
JOSÉ SIMÃO
Ueba! Quero ser xingado pelo Chávez!
Ele xingou o presidente da Colômbia. Tenho dois sonhos: vaiar o Galvão e ser xingado pelo Chávez! BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!
Aliás, o cúmulo da piada pronta: Cine TAM atrasa sessão! É que uma amiga foi pro shopping Morumbi, no Cine TAM, e a sessão atrasou!
Então relaxa e goza! Com pipoca e Coca-Cola! Nunca vi cinema atrasar! Só cinema controlado pela TAM!
Crise aérea no shopping! Vá ao Cine TAM! Relaxa e goza com pipoca e Coca-Cola! Rarará! Só faltou ter overbooking!
E aquela inglesa Sureli Carmen, que tem 200 orgasmos por dia? Ainda bem que não é com eco! É uma síndrome, ela goza com qualquer som: barulho de trem, secador de cabelo. Imagine então ela assistindo ao Olodum!! Rarará!
E o Chávez xingou o presidente da Colômbia! Eu também quero ser xingado pelo Chávez! Tenho dois sonhos na vida: vaiar o Galvão e ser xingado pelo Chávez.
E o Brasil é assim: não são os impostos que são altos. Nós é que somos baixos! E não é a dona Marisa que é muda. Nós é que somos surdos! Rarará!
E a volta da Múmia Paralítica. O Boca de Suvaco FHC atacou o Lula: diz que os brasileiros têm que ser liderados por quem sabe falar bem o português.
Entendi, o FHC É MAIS MELHOR QUE O LULA! Rarará! Ou então ele vai lançar o professor Pasquale pra presidente. E o Don Doca FHC fala abobrinha em vários idiomas. O FHC é poliglota, o Itamar é monoglota e o Lula é zeroglota!
E essa: "O intestino é um órgão tão temperamental que é considerado o nosso segundo cérebro". Infelizmente, para muitos é o primeiro. Ou então tem gente que só usa o segundo! Rarará.
É mole? É mole, mas sobe! Ou, como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! Antitucanês Reloaded, a Missão.
Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.
É que em Poço Verde, Sergipe, tem um carrinho de mão com a placa: "Transbêbado, deixar em casa, R$ 1"! Parece Dias Gomes. Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!
E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Poço": o dia em que o Lula tomou poçe! Rarará! O lulês é mais fácil que o inglês.
Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno! E vai indo que eu não vou!
simao@uol.com.br
27 de novembro de 2007
N° 15431 - Liberato Vieira da Cunha
Qualquer coisa chamada de vida
Como era o mundo antes da internet? Era estranho, as pessoas conversavam. Elas comunicavam umas às outras sonhos, desejos, sentimentos.
Havia uma instituição que as aproximava, mesmo nas cidades grandes. Chamava-se visita. Hoje você diz a um amigo ou a uma amiga: qualquer dia eu apareço lá. Trata-se de uma vaga promessa, de uma expressão de simpatia, de um ritual de vaga cordialidade.
Em outras épocas, não. Se você falasse que iria aparecer, aparecia mesmo. Não telefonava antes, não se anunciava na portaria do edifício, simplesmente pressionava a campainha do apartamento (ou da casa, o que era mais comum) e era recebido com uma alegria genuína e pura que o culto à privacidade matou.
A visita era mais do que a internet. Era a novela das oito daquele tempo. Quietão como sempre fui, me fascinava ficar em um canto da sala ouvindo anfitriões e inspecionantes. Conversavam sobre o quê? Sobre Deus, o Diabo e a Terra do Sol, o que significava que acerca de absolutamente tudo.
O acontecimento do dia, o clima, a política, a economia, algum ecoante caso policial, o escândalo mais recente, o custo de vida, namoros e desnamoros, livros, filmes, peças, nada escapava aos conversantes, com certa inclinação aos temas que propiciavam uma entonação de ironia ou de malícia.
Mencionei os inspecionantes. Era um grupo onipresente. Pois enquanto alguém comentava Um Certo Sorriso (a obra de Françoise Sagan) ou Désirée, o Amor de Napoleão (estrelando Marlon Brando e Jean Simmons), os inspecionistas inspecionavam.
Isso queria dizer que examinavam o rádio Telefunken, o vaso de cristal mais ou menos tcheco, as cortinas de tule, ou qualquer demais sinal de prosperidade ou decadência dos hospedeiros.
Faziam isso sem malquerença; faziam por puro hábito, já que observar era também um modo de visitar.
E eu quieto no meu canto, impressionado com aquele teatro que se desenrolava ao meu redor, rindo de alguma tirada humorística, seguindo o enredo de uma fita, acompanhando o final inesperado do romance de uma vizinha.
Pensando bem, tudo isso era melhor do que a internet. Pois se compunha de algo ausente da telinha. Qualquer coisa chamada de vida.
Uma ótima terça-feira ensolarada por aqui.
27 de novembro de 2007
N° 15431 - Paulo Sant'ana
A morte piedosa
Outro dia, contarei sobre minhas experimentações com os médicos e medicamentos nos quatro dias em que estive hospitalizado no Moinhos de Vento.
Por sinal, saí do hospital com a convicção de que só há dois lugares do mundo em que circulam as idéias: o hospital e o fumódromo. Os outros lugares todos são um perigoso deserto de raciocínios.
Exatamente o hospital e o fumódromo são ideais para que se pense: eu verifiquei só agora que só pode pensar quem tiver tempo para pensar.
Quem ama não tem tempo para pensar. Quem trabalha não tem tempo para pensar.
Só quem está sozinho num leito de hospital ou quem está compartilhando com outras pessoas o prazer de fumar, conversando, num fumódromo, lhe verá surgir uma idéia aproveitável ou magistral.
Estava eu no meu catre hospitalar de cabeceira reclinável, quando apareceu na tela de televisão o programa Fantástico. Eu, para ver o Fantástico, só se estiver no leito de enfermo.
E aí uma repórter entrevistou um médico e filósofo holandês que pratica a eutanásia em pacientes terminais, é preciso tanto notar que na Holanda é permitido o assassinato piedoso de doentes terminais quanto que aquele médico idoso só mata os pacientes terminais que imploram para serem mortos.
Foi quando a repórter fez ao médico e filósofo a pergunta mais imbecil que já ouvi em toda a minha vida: "O senhor, que é médico e estudou e se preparou para salvar vidas, como então mata as pessoas?".
O médico não deu uma resposta satisfatória, mas eu levantei do meu leito hospitalar e gritava pela sacada: "Será que essa menina tola não vê que, quando se trata de um doente terminal que pede para ser morto, salvar a sua vida significa matá-lo?"
Eu, por sinal, vou mais adiante na questão da eutanásia, que me apaixona, há muitos anos.
Tecnicamente, aqui no Brasil, um médico que praticar eutanásia num paciente responderá na Justiça Criminal por homicídio.
Errado, erradíssimo, qualquer dia vou me mudar para a Holanda, ando numa fase em que a qualquer momento devo convocar um médico para pôr fim a este meu suplício terreno.
É antiga a minha tese, convalidada inteiramente pelo Código Penal, que não pune a autoflagelação e a tentativa de suicídio, de que pertence ao indivíduo, somente a ele, o direito de dispor sobre sua própria vida, podendo até impunemente tentar eliminá-la.
E eu vou tão longe nesta minha convicção, que afirmo audaciosamente que eutanásia e suicídio para mim são sinônimos.
Então por que esta estultice de condenarem-se médicos pela eutanásia no Brasil?
Decidi agora que vou escrever mais amanhã sobre este médico holandês que é chamado pelos pacientes terminais ou por suas famílias para, numa decisão dos pacientes, matá-los.
Porque o espaço de hoje não é o bastante para dissecar este assunto intelectual, jurídica e filosoficamente empolgante.
Acontece - e isto tenho explicado até mesmo a médicos estupefatos - que a palavra médico é originada do vocábulo latino "medicare".
E sabem o que quer dizer "medicare", em latim? Eu pensei que era curar.
Mas não é curar. Em latim, "medicare" quer dizer tirar a dor.
Ou seja, o primeiro e fundamental dever do médico não é curar, é tirar a dor. Curar ou não curar fica para depois.
E no caso da eutanásia, portanto, meus queridos leitores, o médico tem de ter o direito, ainda mais quando a pedido do paciente terminal, de tirar-lhe a vida, pois só assim acabará com seu cruel e insuportável sofrimento.
Não há outra verdade.
27 de novembro de 2007
N° 15431 - Luís Augusto Fischer
Tropa de Elite, povo e classe média
Uma patada nos peitos o filme de José Padilha, não?
Grande filme, daqueles que corre o risco de virar símbolo de nosso tempo, nossa geração sob um sol compartilhado, como ocorreu (a associação não será gratuita) com Pixote, com Carandiru (dramaturgicamente menos estruturado do que podia), com Cidade de Deus.
Lembrei de Nelson Rodrigues comentando Terra em Transe, de Glauber Rocha. Não por afinidades estilísticas, nem por vanguardismo, mas pela eficácia comunicativa dos dois filmes, cada qual em seu tempo e com suas questões.
Dizia o cronista que de vez em quando a arte precisa desses vômitos triunfais, porque é o único jeito de dizer o que precisa ser dito.
Nos anos 1960, era o Brasil confrontando-se com seu sonho de país do futuro, mergulhado no subdesenvolvimento, recém-conscientizado pela classe média; nesses nossos anos pós-Guerra Fria, é o Brasil vendo o horror da vida real do pobrerio metropolitano, entalado entre a pobreza extrema, a submissão às exigências midiáticas de consumo e, na ponta dinâmica, o tráfico de drogas, chance real de livrar-se das duas primeiras, ainda que à custa da morte jovem.
Uma das sensações mais poderosas que o filme gera, nem sempre racionalizada pelo espectador, nasce da enorme série de laços sociais cotidianos que a narrativa explicita (não inventa: retrata realisticamente), entre os pobres e as classes confortáveis, com a mediação do Estado, naquele caso a polícia carioca.
Não há como sair do cinema desvestindo o filme, tirando-o do corpo assim na maior, como se fosse um drama apenas dos brasileiros lá de baixo, ou tivesse vindo ao mundo num remoto ponto de outro país.
Não: aquilo ali que passa na tela fala com o umbigo de cada um de nós, que mesmo não usando drogas, nem estando no Rio, vivemos coisa parecida.
Nem falar da sinuca histórica em que nos mete, o filme, ao expor tão desabridamente a entranhada corrupção daquele serviço público, tanto quanto a falta de perspectiva acerca da droga, do universo em que ela se move, contrabando, armas, consumo para diversão, vício, corrupção.
Alguém aí sabe bem o que se deve fazer? Legalizar? Tentar frear o consumo com base em preceitos morais? Alguém tem propostas estruturais? Alguém de nós tem cobrado posições dos candidatos a cargos políticos? E das autoridades judiciárias?
Se um filme gera tal repertório de questões, é porque ele vale a pena, e não pode ser descartado do horizonte com comentários banais, de avestruzes históricos, como aqueles que quiseram imputar fascismo ao diretor.
Em Pixote, Carandiru e Cidade de Deus, podíamos alegar que a coisa não era conosco, que fazemos as três refeições desde que nascemos; agora é.
27 de novembro de 2007
N° 15431 - Moacyr Scliar
Resumos
Não costumo acompanhar as novelas de tevê e isto, em parte, explica a minha perplexidade, que deve ser a perplexidade de outros na mesma situação, diante dos resumos das novelas diariamente publicados aqui em ZH.
Vejam, por exemplo, este resumo de Malhação: "Capitão proíbe Gustavo de falar com Angelina.
Débora confessa que a idéia de apagar a luz foi sua. Domingas descobre que havia outra pessoa com a fantasia de Gustavo. Os alunos viram professores por um dia. Conceição pede permissão a Béatrice para fazer trabalho extra na cozinha do colégio.
Gustavo conversa com Angelina". Há aqui uma idéia ótima ("Os alunos viram professores por um dia" - ótima, desde que não inclua os salários pagos aos professores, bem entendido), mas de resto as outras frases são, no mínimo, intrigantes.
"Débora confessa que a idéia de apagar a luz foi sua" - mas o que significa, afinal, essa idéia? Débora estava fazendo economia de energia elétrica? Neste caso, porque o "confessa", se podia até se gabar disso?
E o que aconteceu, quando a luz se apagou? "Gustavo conversa com Angelina": será que ele é o único Gustavo que conversa com uma Angelina?
Mas este é o problema com os resumos. Que, entre parênteses, são necessários. Quando meus amigos tinham filhos em idade escolar, não era raro que eu recebesse um desesperado telefonema de um menino ou de uma menina (em geral no domingo às onze da noite): "Tio, tenho de entregar um trabalho sobre ti amanhã no colégio.
Tio, me resume aí ligeirinho tua vida e tua obra". Intimação semelhante àquela que provavelmente receberemos no Juízo Final, quando comparecermos diante de Deus. Impaciente, o Senhor nos intimará: "Resume aí tua vida e tua obra. E rápido, que a fila está grande".
Falando nisso, vocês já imaginaram como seria a Bíblia resumida? Algo assim: "Deus cria o universo em seis dias e descansa no sétimo. Adão e Eva comem do fruto proibido e são expulsos do Paraíso.
Caim pergunta a Deus se por acaso é guarda de seu irmão. Moisés faz com que se abram as águas do Mar Vermelho". Ou obras literárias em geral, como Dom Quixote: "Dom Quixote investe contra os moinhos de vento e se dá mal". E assim por diante.
Resumos são ótimos. Economizam tempo, economizam espaço no texto. Mas às vezes exigem verdadeiros adivinhos para interpretá-los.
Amanhã, às 20h, na Padre Chagas, 65, Carlos Nejar autografa História da Literatura Brasileira (Relume-Copesul). Grande obra. E não é resumo.
No dia 30 completam um ano os Parques Eólicos de Osório, notável empreendimento de produção de energia limpa. Festa, lançamento de livro (Ventos do Sul) e de filme (Cidade dos Ventos) celebram a data.
segunda-feira, 26 de novembro de 2007
26 de novembro de 2007
N° 15430 - Kledir Ramil
A medida das coisas
Há 4 mil anos, os pés e as mãos eram usados como instrumentos de medida. Como obviamente havia gente de todos os tamanhos, a bagunça era geral.
No século 17, resolveram padronizar as unidades de comprimento de acordo com o pé e o polegar do rei. Nos EUA, até hoje essa é a referência - pés e polegadas - e, se é que há uma atualização, a polegada deve corresponder ao dedão do George W. Bush.
Em 1791, foi instituído na França o Sistema Métrico Decimal, baseado numa "constante natural" e não nas medidas do corpo de alguém. Pegaram um meridiano da Terra, dividiram por 40.000 e nasceu o metro.
Atualmente, existem métodos mais modernos para definir o metro, como o trajeto da luz no vácuo durante 1/299792458 segundos. Mas o mais prático mesmo é ir até o armarinho da esquina e comprar uma fita métrica.
Medir é importante. E usando uma régua determinada. Imagine um mundo sem medidas, onde cada um faz o que bem entende. Você compra uma lâmpada, chega em casa e ela não encaixa no bocal.
Vai tomar uma sopa e a colher não cabe na sua boca. Diz a lenda que Tim Maia chamou um arquiteto, mostrou mais ou menos onde era o terreno e mandou construir uma casa. Metade ficou em cima do terreno do vizinho.
Além de regras para avaliar o tamanho das coisas, também foram criadas bases de comparação para a temperatura, o peso, a pressão, o volume.
E foi preciso inventar a moeda para se estabelecer o valor de cada coisa. Quanto dinheiro vale meu trabalho? E o seu? Quanto vale um cavalo? Depende. Ricardo III, num momento de desespero, chegou a oferecer "meu reino por um cavalo!".
Quanto vale uma canção? Mais que 1 kg de alcatra? O Radiohead acaba de lançar um novo disco e o preço quem determina é o cliente. É um acontecimento histórico. Poderia ser assim nos supermercados.
Quanto vale uma obra de arte? Picasso tinha o hábito de pagar suas contas em restaurantes desenhando uma pomba num guardanapo de papel. Era simples para ele e um ótimo negócio para o dono do estabelecimento.
Certa noite, depois de pagar o jantar com um rabisco qualquer, recebeu do bem-humorado garçom um papel com o desenho de uma árvore. Era o troco.
Há pouco tempo, uma amiga por quem tenho grande carinho, me apresentou seu "melhor amigo". De brincadeira, questionei indignado: "Por que não eu? Qual o seu critério de avaliação?".
Como se medem os sentimentos? Quanto você gosta? Minha filha, quando pequena, dizia que me amava "mais que o infinito do universo".
Quanto você deseja? Quanto machuca? Qual o peso da sua dor? O tamanho da sua alegria? Se alguém tiver um aparelho, me diga.
Ótima segunda-feira e uma excelente semana para todos nós. Esta que encerra Novembro e já trás dezembro o último mês do ano.
26 de novembro de 2007
N° 15430 - Paulo Sant'ana(Alexandre Bach - Interino)
Estelionato e barreiras
Nos últimos dias, fui parado duas vezes por estas barreiras móveis que a Brigada Militar têm feito pelas ruas de Porto Alegre.
Nas duas oportunidades, fui muito bem tratado pelos soldados que me abordaram. Pediram os documentos do carro e do motorista com educação, conferiram rapidamente a legalidade de ambos e me dispensaram com um cordial "boa noite".
A primeira parada, aliás, foi muito produtiva pra mim: descobri que o meu carro estava alienado por um grande banco nacional, pois havia sido "vendido" para uma pessoa em Pelotas com financiamento do banco.
O golpe, dia desses, apareceu na tevê, com outras vítimas. Evidentemente que, para não estragar o humor do prezado leitor neste início de semana, vou poupá-lo de conhecer o meu calvário junto ao banco para regularizar a situação em que eu era a vítima.
A segunda barreira, acredito, foi útil para a comunidade. Foi montada na Avenida Princesa Isabel, na noite de sábado passado. Para minha surpresa, a via estava tranqüila, com algum movimento comportado em frente aos bares das imediações.
Tenho certeza de que os moradores da área agradeceram muito aos soldados que ali ficaram, espantando os participantes dos rachas que, tradicionalmente, transformavam a pista num inferno e garantindo uma noite de sono tranqüilo para a vizinhança.
Lembrei das duas situações ontem, num desses eventos sociais que te levam a reencontrar amigos, rever conhecidos, conviver por algumas horas com gente que tu ficas dias e dias sem ver. Na roda de conversas, as críticas eram exatamente para essas barreiras da Brigada.
Elas atrapalham o trânsito. Elas deixam o tráfego lento nas imediações. Elas te fazem perder tempo quando tu cais numa delas. Elas só param a gente, que é honesta, nunca param os marginais.
Enfim, ouvi uma série de argumentos contra as operações móveis. Pouco apoio.
Noutra roda de conversa, esta envolvendo gente com quem me relaciono apenas formalmente devido à minha profissão, há alguns dias, também ouvi queixas sobre a ferocidade da polícia (principalmente dos federais) e da Justiça em investigar crimes e punir culpados.
O interlocutor relatou o caso de um conhecido empresário - coitadinho! - já condenado por 171 (o velho estelionato), que nem mais consegue freqüentar o seu círculo social (detalhe: mesmo condenado, o cara não está preso).
Unindo as duas conversas, fiquei pensando em como é difícil a sociedade perceber que ela precisa se colocar à disposição dela própria, participar efetivamente da solução dos problemas, e não apenas reclamar.
Então, não contem comigo para defender que a atuação policial contra o crime ocorra só lá na vila, onde muitos acreditam, preconceituosamente, que morem apenas marginais.
Não perdi três minutos da minha vida em cada uma das barreiras que me pararam. Saí de cada uma delas me sentindo mais seguro. Também não contem comigo para achar que a punição só serve para os outros, nunca para nossos amigos.
Não posso ter pena de um empresário que só se preocupou com a sua imagem depois de arrebentar o cofre alheio. Enquanto forrou o bolso, estava tudo bem.
Eu já decidi: faço parte das soluções, não dos problemas.
26 de novembro de 2007
N° 15430 - Luis Fernando Verissimo
Os últimos
E aconteceu que o Último Casal saiu da terra onde vivia e foi para o Oriente, pisando no que restava da sua espécie: carcaças e ruínas.
E chegando ao local onde um dia fora o Paraíso, e onde agora passavam dois rios podres em meio a terra calcinada, deitou ao chão suas trouxas e preparou-se para morrer. Pois, onde tudo começara, tudo terminaria.
Fora ali, segundo sua crença, que Deus fizera o Primeiro Homem do barro e a Primeira Mulher da sua costela. Era ali que devolveriam sua alma ao Senhor. E a Humanidade desapareceria da face da Terra que ela mesma tornara estéril e inóspita.
Mas, tomado de súbita revolta, o Último Homem clamou aos céus, e chamou ao seu Senhor, e perguntou:
- Qual é?
E as nuvens sulfurentas se partiram e o rosto de Deus apareceu na brecha. E a expressão no rosto de Deus era de surpresa, ou de quem acordara de uma sesta.
- Está falando comigo? - perguntou o Senhor.
- Estou. - E quem é você? - Sou o Último Homem Descendente do Primeiro Homem. E esta é a minha mulher.
E a expressão no rosto de Deus era de perplexidade. E perguntou o Último Homem: - Por que fizeste isto conosco, Todo-Poderoso?
- Que foi que eu fiz?
- Nos deste o mundo, e nos mandaste povoá-lo, e tanto o povoamos, que esgotamos tudo que nele havia, e decretamos nossa própria extinção. Tanto fizemos para seguir suas ordens que envenenamos a Terra, e a nós mesmos.
- Minhas ordens?!
- Sim. A que deste aqui, neste exato local, aos nossos primeiros antepassados.
Deus abafou um bocejo e disse: - Não estou me lembrando. Tem certeza que fui Eu?
- Claro - disse o Último Homem. - Está bem, foi há milhões de anos. Mas milhões de anos não são um minuto na mente do Senhor? - Em tese, sim. Mas...
- O Paraíso, Senhor. Adão e Eva. Ele usava uma folha de parreira e ela...
- Ah! Agora me lembro. Qual foi a minha ordem? - "Crescei e multiplicai-vos". - Deve haver algum engano...
O Último Homem perdeu a paciência.
- Como engano? O senhor mandou, claramente, eles se multiplicarem, e encherem a Terra com sua prole, e o resultado está aqui. Só sobramos nós. Não temos mais nada para comer. Não temos mais água. A prole acabou.
- Mas eu não estava falando com eles. - O quê? - Estava falando com um casal de baratas, atrás deles!
sábado, 24 de novembro de 2007
25 de novembro de 2007
N° 15429 - Paulo Sant'ana
A ciência dos signos
Tenho um amigo que identifica em menos de um minuto, só pela observação do movimento do corpo, pelo olhar e até pelas dissimulações, o signo de alguém.
Nos últimos anos, vem aperfeiçoando a técnica para descobrir também o ascendente. Tira proveito, como amador, da volta da astrologia como contraponto ao mundo plano das racionalidades.
Olhe em volta na firma, na família, na mesa do bar. Não tem erro: leoninos são de fato imperiais, geminianos são dispersivos, sagitarianos são birrentos, librianos são equilibristas, cancerianos são dengosos. Mas não é fácil identificá-los sem muito convívio.
Meu amigo Heitor Schmitt consegue. Diz que, se a definição de mitos e celebridades pode ser resumida em uma linha, uma pessoa comum cabe em duas ou três palavras. Quando falha no enquadramento e vê Touro num Capricórnio, adverte que a culpa não é dele ou dos astros, mas de desvios na vida do analisado.
Há capricornianos que, ao longo do tempo, se disfarçam de taurinos, assumem a postura de um bicho maior por instinto de sobrevivência.
Há peixes que pensam ser aquário e vice-versa. Mas meu amigo Schmitt os reconhece até nos disfarces deliberados. Diz que as pessoas são os seus signos e que astrologia é coisa séria, é uma ciência, mais exata do que a economia.
Pensei muito nisso na quarta-feira no gabinete da governadora Yeda Crusius, enquanto olhava para uma xícara de café que não conseguia bicar. Quando ameaçava largar papel e caneta, Yeda emitia uma frase que exigia anotação.
Saí do gabinete sem provar o gosto do café palaciano da gestão de Yeda. Mas fiquei sabendo que a governadora é uma leonina preocupada com os estigmas de signo tão poderoso. Yeda levou a conversa para a astrologia quando se queixava dos que a vêem como sisuda e inflexível, como excessivamente leonina.
O poder sempre conviveu com o que se pode chamar genericamente - atenção: sem depreciações - de esoterismo. Bruxos freqüentaram e ainda freqüentam palácios em todo o mundo.
Mas em algum momento a racionalidade recomendou que pessoas ditas sérias e em altos postos se afastassem desse tipo de coisa. Pensadores identificaram esse momento nos anos 80, quando se disseminou o neoliberalismo de Margaret Thatcher. Só ela poderia ser bruxa.
O filósofo e lingüista francês Jean-Claude Milner, por exemplo, vê o sucesso de Harry Potter como uma resposta britânica, que se espalhou por toda parte, ao individualismo e à previsibilidade da competição neoliberal.
As bruxarias de Potter devolvem a todos a chance de descansar de tanta realidade e competição com um pouco de magia e companheirismo.
O ocultismo seria nosso jeito de congregar, compartilhar e reatar afetos e sacanear os racionais com truques que eles não entendem. A astrologia também cabe nesse raciocínio. É de Milner esta frase: "É como se ela (J.K. Rowling, a criadora de Harry Potter) dissesse: aprendam o grego ou o latim, em vez de marketing. Assim, poderão atuar no mundo de forma imprevisível".
O bruxo Potter é um leonino. Nasceu em 31 de julho de 1980, no início da Era Tatcher. Leão é o signo do poder, de Napoleão, Mussolini, Fidel Castro.
Acalmem-se, também são leoninos Caetano Veloso, Bruna Lombardi, Mick Jagger. Mario Quintana e Hitchcock eram leoninos. Quintana deve ter sido o mais pisciano dos leoninos.
Mas e daí? Qual é a lógica disso tudo? Yeda aproxima-se dos signos para se livrar dos labirintos dos déficits insolúveis da razão economicista? Onde se amarra tanta informação aparentemente irrelevante?
Peça lógica e amarração ao aluno de marketing de que fala Jean-Claude Milner. Um geminiano legítimo apenas fala do que não sabe e enrola, enquanto o SantAna não volta.
Moisés Mendes (interino)
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