02 DE MAIO DE 2023
CARPINEJAR
Concurso público não é prisão perpétua
Passar em concurso público antes era para toda a vida. Quando a existência tinha uma longevidade média de 60 anos. Não pode mais servir de régua atualmente, pois as pessoas alcançam 80 anos para mais.
Há possibilidade sadia de saborear mais de uma profissão, de cursar mais de uma universidade, até o fim dos nossos dias. Você pode querer ser alguém no primeiro terço de sua vida, e assumir papéis diferentes e opostos nos dois terços restantes.
Temos direito a várias encarnações em nossa próspera biografia. É quase impossível não mudar de vontade, de estilo, de opinião ao longo do tempo. Ninguém mais desejará seguir com igual ofício por décadas a fio, desperdiçando a chance de ter o seu negócio, de aceitar convites que exijam independência e autonomia ou de optar por desafios e aventuras em diferentes paragens. Ninguém mais aceitará se reduzir a uma única função monótona atrás de um balcão ou de uma mesinha.
Viver deixou de ser sinônimo de conformismo, está mais próximo da ideia de intensidade, de aproveitar ao máximo as nossas habilidades.
Experiências têm data de validade. Se o concurso público já serviu para obter estabilidade e segurança financeira com a sua natureza vitalícia, como se fosse uma aposentadoria precoce, para não mais se preocupar com emprego, para ter um lugar seguro, para formar família e comprar casa, para não sofrer com o pagamento dos boletos, agora ele é pivô de constrangimentos e dos maiores dilemas do mundo do trabalho.
Quem foi aprovado depende de maturidade corajosa para desistir da carreira garantida, do salário do fim do mês e do conforto dos benefícios e tentar uma outra área absolutamente do zero, que tenha a ver mais com as suas ambições do momento.
O difícil é explicar para os parentes que a decisão não é loucura, que não é um disparate, que não levou embora a cabeça e o juízo. Os concursados de muitos anos vêm atravessando crises de identidade. Adoecem por ansiedade, ou pânico, ou síndrome de burnout, justamente por não saber como se desligar de um posto em que não serão demitidos.
São vistos como condenados a um modo monotemático de subsistência pela trajetória inteira. Ainda mais que houve sacrifícios e renúncias durante o período de estudo para conquistar uma vaga entre milhares de candidatos. Sofrem da culpa de abrir mão de um sonho.
Mas os sonhos se transformam, as exigências se renovam com o cumprimento de objetivos, as redes sociais ampliam as esferas da criatividade e do empreendedorismo. Aquilo que antes se caracterizava pela motivação pessoal pode se tornar um fardo, uma sina, uma obrigação para corresponder às expectativas alheias.
Para manter um status, qualquer um é capaz de se contrariar, de se estressar, de ultrapassar os seus limites, de matar a sua motivação e de frequentar situações desconfortáveis com colegas que não partilham mais o ideal de sua felicidade. O concurso público ainda desfruta do conceito unânime de salvação profissional, que deve ser revisto por uma questão de saúde emocional. Não é uma prisão perpétua.
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