quinta-feira, 12 de março de 2020



12 DE MARÇO DE 2020
O PRAZER DAS PALAVRAS

Tomara que caia

Uma conhecida marca nacional de vestuário anunciou, com pompa e circunstância, que a partir de agora o termo tomara que caia não mais será usado por causa de sua "carga machista", pois expressa implicitamente - quem diria! - o desejo masculino de ver desnudo o busto feminino. Esta campanha contra o sexismo e a exploração do corpo da mulher vem acompanhada de um vistoso catálogo que oferece a nossos olhos... ora, ora, uma coleção de jovens beldades da televisão expondo o colo e os ombros nus - mas com todo o respeito, é claro...

Quem está por trás dessa campanha certamente é um adepto da chamada engenharia semântica; num sonho juvenil, ele (ou ela) acredita que a modificação da linguagem resultará numa mudança também do pensamento e das atitudes. Ora, como já dissemos aqui, isso é tomar a consequência pela causa. Mude-se a realidade, mudem-se os valores, mudem-se as atitudes - e a linguagem também mudará. O diabo é que isso depende do amadurecimento da sociedade, leva muito tempo e dá muito trabalho...

Os ingênuos seguidores desta seita partem do princípio equivocado de que os preconceitos residem no âmago da própria palavra, isto é, de que existem muitos vocábulos que vivem no lado escuro da Força, sendo ofensivos e degradantes por sua própria natureza, independentemente do contexto ou da intenção do emissor. Esquecem que o insulto ou a ofensa, muitas vezes, depende do tom, da situação ou da sensibilidade do receptor.

No ano e meio em que trabalhei como bancário, a agência dispunha de um contínuo - funcionário que cuidava da correspondência e executava todo tipo de serviços externos - algo assim como um auxiliar de serviços gerais. Pois no filme Bonitinha mas ordinária, baseado na peça de Nelson Rodrigues, o milionário humilha o personagem de José Wilker chamando- o repetidas vezes de contínuo, pronunciado num tom absolutamente pejorativo. Da mesma forma, judeu pode ser ofensa ou elogio, dependendo se for empregado por uma família israelita ou por um militante antissemita. Até mesmo um sua putinha bem colocado pode ser carinhoso entre amigas ou cúmplice entre amantes - e por aí vai a valsa.

Os vigilantes do politicamente correto, no entanto, ao focar exclusivamente nas palavras e desdenhar a intenção com que são usadas, vivem detectando insultos e ofensas ali onde não existem. Como são fanáticos, promovem agressivas campanhas para deslegitimar as palavras que rotulam como "malditas" e aproveitam para acusar de sexistas ou racistas aqueles que insistem em usá-las. São insuportáveis. Como disse muito bem um jornalista espanhol cujo nome eu nunca deveria ter esquecido, "a suscetibilidade é seu estado natural, e a ofensa permanente é sua visão de mundo".

Como disse o famoso ativista negro W. E. B. Du Bois, "é um erro juvenil confundir os nomes com as coisas. A palavra é apenas um signo convencional para designar o que realmente interessa - os objetos ou os fatos. Há pessoas que nos menosprezam por sermos negros, mas não vão nos depreciar menos se os obrigarmos a nos chamar de homens de cor ou de afroamericanos". Não é a palavra... o que importa é o fato.

CLÁUDIO MORENO

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