10 DE MARÇO DE 2020
CARPINEJAR
Quando me perdi no supermercado
Nunca me perdi da mãe ou do pai no supermercado durante a infância. Mas aquilo que não acontece quando somos pequenos termina por vingar na maturidade.
É como sarampo e caxumba. No adulto, as doenças tardias apresentam reações mais graves.
Odeio supermercado grande e lotado. Aquele que mais parece um shopping com um labirinto de corredores, em que pedimos licença a cada esquina. Mas tínhamos que comprar mantimentos em grande quantidade para a festa de aniversário dos piscianos de casa. Eu e minha esposa aceitamos a empreitada dispostos a economizar.
Mal cheguei e já queria ir embora, sofrendo da maldita ansiedade. Em vez de passear gôndola a gôndola de casalzinho, fui adiantar a lista e peguei um outro carrinho.
Depois de algumas horas enchendo as grades de bebida e salgadinhos, bem feliz e distraído, não achava mais Beatriz.
Evidente que o celular não encontrava sinal. Nunca tem sinal no mercado: território off-line por excelência. Não havia como avisá-la de que estava no corredor cinco de cem. Nem poderia esperá-la no carro, em último caso, não lembrava onde ela havia estacionado em tantos andares da garagem. Como carona, não me preocupei em memorizar a letra do alfabeto da vaga.
Eu me sentia uma criança sem paradeiro, órfão em uma cidade feita de embalagens. Jamais enfrentaria a humilhação, aos 47 anos, de chamá-la pelo alto-falante da loja. Ela iria debochar dessa fraqueza pela vida afora.
Em vez de sair que nem um louco manobrando imaginário kart pelo espaço inteiro, eu fiquei parado no mesmo lugar, encostado como samambaia. Em algum momento, ela apareceria com a sua leveza amnésica. Certamente não estaria preocupada como eu, muito menos notaria o meu desespero.
Foram 60 minutos de flagelação imóvel. Até que enchi o saco com a minha parte das compras e decidi voltar para casa de táxi.
Além de surgir com a indesejada duplicidade dos produtos, ainda fracassei ao explicar a grosseria de abandoná-la sozinha com caixas e caixas pesadas, sem nenhuma ajuda para carregar.
Amarguei a minha eternidade ferida de Minotauro. A esposa, como Teseu, vem matando a minha virilidade lentamente, sempre lembrando aos amigos e familiares do dia em que me perdi no supermercado.
CARPINEJAR
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