06 DE MARÇO DE 2020
EDUARDO BUENO
Doutrinação
Inspirado no exemplo da mãe e da filha de Caçador (SC) que decidiram processar não só o Estado de Santa Catarina como o colégio onde a menina de 16 anos teria sido vítima de "doutrinação" por parte da professora de História, resolvi fazer o mesmo: também vou acionar na Justiça as escolas onde estudei e os Estados onde ficam.
Primeiro, é claro, o Ginásio Nuno de Andrade, em São Paulo, onde cursei a pré-escola. Lá estava eu, Gumex no topete, no dia 1º de abril de 1964, quando anunciaram que um certo Leonel Brizola iria "tocar fogo em Porto Alegre". Caindo em prantos, urrei: "Mas a tia Zilah mora lá!". Levaram-me para a direção e me deram água com açúcar. Vou processá-los não só por fake news mas pelo vício adquirido, pois aquele pó branco, como se sabe, é a porta de entrada para drogas ainda mais pesadas.
Vou processar o Colégio Rio Branco, também de SP, onde cursei do 1º ao 4º ano do primário. Lá, além de me terem feito ler Éramos Seis, defendiam a Revolução de 1932. Quando a profe chamou nosso Getúlio Vargas de "ditador sanguinário", tive uma dor de cabeça lancinante. Então, me deram Melhoral, que "era melhor e não fazia mal". Jamais abandonei as farmácias - nem voltei a confiar em paulistas.
Vou processar também o Colégio Anchieta, onde gastei oito anos da minha vida e no qual, dentre horrores indizíveis, me fizeram escrever uma redação sobre a Transamazônica e tentaram me convencer de que o dito Anchieta era defensor dos índios (até os da Amazônia). Quando descobri que Anchieta (hoje santo) considerava o tabaco "erva santa", me pus a fumar a erva errada. Mas essa eu já larguei.
Vou processar (in memoriam) o IPV, cursinho pré-vestibular onde o professor barbudo como Che Guevara me garantiu que ele fora um herói. Apaixonei-me pelo pôster do Che, pela Bolívia e por seu produto nacional refinado. Fui reduzido a pó.
Vou processar a UFRGS por ter frequentado lá a cadeira de Estudo de Problemas Brasileiros, na qual afirmavam, em plena ditadura militar, que não havia problemas no Brasil - o que me fez mergulhar na tarja preta (e não foi só a da censura).
Como tais crimes não prescrevem e minha vitória é certa, penso em doar metade da grana para essa professora de Caçador - oh, belo nome! - que tentou convencer seus alunos a não votarem no mais desqualificado presidente da história do Brasil - mas foi, digamos, voto vencido. A outra metade vou investir numa máquina do tempo. Com ela, convencerei a atenta mãe e a vilipendiada filha de Caçador - ah, belo nome - a cursarem as aulas de História entre 1964 e 1984.
Só espero que a doutrinação não as leve a consumir tantas substâncias quanto eu.
EDUARDO BUENO
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