terça-feira, 3 de março de 2020


03 DE MARÇO DE 2020
ARTIGOS

SOMOS PARCEIROS DE NOSSOS PACIENTES

Estamos passando por uma transformação na formação de médicos no Brasil. Hoje, nos bancos das faculdades de Medicina e nos hospitais, estamos encontrando médicos angustiados, preocupados muito mais com o processo jurídico que pode vir do que com o atendimento baseado em anatomia, fisiologia, semiologia e empatia. A preocupação é fazer exames e mais exames, alguns com custo elevado e sem nenhuma resolutividade para o caso, apenas para se salvaguardar. 

Palpar um abdômen e dizer se é cirúrgico ou não transformou-se em ressonância magnética, tomografia e vários exames laboratoriais. Isso se inicia cedo, com os doutorandos (5° e 6° ano do curso de Medicina), que atualmente não têm a oportunidade de praticar diversos procedimentos por excessiva necessidade de precaução, que dirá correr o risco de errá-los.

Fora dos bancos de faculdades e hospitais universitários, esse novo padrão é utópico. Em muitas cidades deste nosso imenso país, temos, quando muito, um aparelho de raios X. Estamos preparando médicos para grandes centros. Fugimos do nosso antigo objetivo, que era o paciente e fundamentalmente examiná-lo baseado em exames clínicos e diálogo para indicar o tratamento.

Não que para um tratamento adequado não sejam necessários exames para comprovação diagnóstica, mas a sofisticação e judicialização dos grandes centros tirou do médico seus maiores poderes: o de conhecer a profundeza da medicina e o de conhecer o seu paciente. Hoje temos preocupados prescritores de medicação e exames.

Medicina é conhecimento aliado a prática e, quanto mais praticar, mais vai aprender - tanto com o temido erro quanto com o acerto. O atual medo de errar impede o aprendizado. Só teremos médicos nos grandes centros, reféns da tecnologia que pode lhes proteger dos processos judiciais?

Em pouco tempo, teremos o maior percentual de médicos per capita do mundo. Porém, sem resolutividade e sem a perspectiva de aplicação de uma medicina com universalidade, equidade e integralidade. Devemos voltar a ser conscientes quanto ao papel do médico frente a um Estado incapaz de prover tecnologias de ponta para todas as suas regiões. Somos parceiros de nossos pacientes e não prescritores de respaldos judiciais.

LEANDRO NETTO

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