sábado, 28 de setembro de 2019



28 DE SETEMBRO DE 2019

CARPINEJAR



Aquilo roxo


Fui convidar um amigo para sair. Estava em dívida com ele. Fazia meses que não colocávamos o papo em dia. Vivia adiando a conversa pelo excesso de trabalho. Ele surgiu com uma proposta um tanto estranha: - Vamos tomar um açaí amanhã de tarde?

Como assim açaí? Onde está a amizade da cervejinha? Onde está a cumplicidade da ceva gelada após o expediente?

É o fim do que conheço como parceria masculina. Convivência boa entre marmanjos trará quilinhos a mais, em nenhum momento quero controlar a aparência e evitar a barriguinha - isso já faço em casa.

É para beber despreocupado com o amanhã e depois filar uns bolinhos de bacalhau de recompensa, dividir umas frituras, experimentar tira-gostos do cardápio.

Com açaí, não tem saideira. Com açaí, não tem gargalhadas. Com açaí, não dá para ficar mais de meia hora numa mesa. Com açaí, ninguém vai se abrir, não haverá debate sobre futebol, confissões sobre casamento, indiscrições do emprego, contação de segredos difíceis. Não iremos olhar o movimento da rua com leve embriaguez, com direito a piadas e ironias de rápida espontaneidade.

Açaí rima apenas com pede para sair. Não nos encontraremos à vontade para dizer bobagens, para expor o que passa pela cabeça, para sermos autênticos.

Trocar o copo prismático de vidro pela sobriedade de uma colher de plástico constrange a intimidade das implicâncias.

Por mais que encha o pote de toppings, não teremos tempo para debater a fundo nenhuma última polêmica de nossas vidas. Acabaremos o conteúdo da fruta antes de começar a desvendar as raízes dos problemas.

Assim como acho um pouco inadequado e desconfortável comer moranguinhos na frente de alguém.

O companheirismo fitness não tem o mesmo valor das trovas botequeiras, das confidências do trago, do conclave ao entardecer, das horas perdidas e inconsequentes das verdades.

Amizade depende da recreação da memória, da desobrigação das toalhas de papel e dos cuidados com a etiqueta. Amizade é garrafa vazia e cabeça cheia de bobagens.

Porque não há nada mais consagrador do que só interromper o assunto para levantar o braço e incluir, corajosamente, mais uma na conta.

O que será do destino de nossos laços sem antes descobrir se o amigo gosta de ser servido com ou sem colarinho? Não saber disso é desconhecer inteiramente a companhia, é o bê-á-bá da confiança.
Desculpe, irmão, mas açaí não.

CARPINEJAR

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