21 DE SETEMBRO DE 2019
BEM-ESTAR
O NEGÓCIO DO BARÃO
Um dia na praia apareceu um cachorro tão magro, tímido e abandonado, que me apaixonei imediatamente. Era cor de areia e foi me seguindo com um olhar misto de esperança e gratidão, pelo carinho que fiz nele, e isso bastou para que me adotasse.
Levei para casa e, depois de um tempo, súper bem cuidado e alimentado, parecia outro. Revelou sua personalidade bem-humorada e uma grande facilidade para dominar as circunstâncias e se posicionar como dono do pedaço. Minha caseira o chamou de Barão e parece que ele sentiu um certo orgulho do nome.
Sua situação era de liberdade absoluta, e o Barão fazia o que queria, ia pra praia e voltava quando bem entendia. E ficou lindo, com o pelo brilhante, mas nunca perdeu aquele olhar de súplica capaz de comover qualquer um.
E ele sabia disso. O que eu não sabia é que usava justamente isso para seus negócios paralelos.
Barão saía de casa todos os dias ao meio-dia e só voltava umas duas horinhas mais tarde.
Ficamos curiosos de saber para onde ia, que encontros furtivos ele tinha, que vida secreta mantinha.
Até que um dia descobrimos seu plano. Ele calculava a hora do aperitivo numa elegante pousada próxima e ia se mimetizando na areia até escolher as mesas de onde sacava petiscos saborosos de gente de bom coração. Combinação perfeita pra deitar aos pés, com seu olhar pidão e receber delícias muito superiores à sua ração. Se arrastava pelas mesinhas de praia onde os hóspedes, felizes com suas caipirinhas, curtiam repartir com ele pedacinhos de filé, peixe, polvo, lulas, camarões.
Um dia foi seguido até em casa por umas crianças que, movidas de tanta pena, queriam dividir com ele seu prato de bacalhau. Ficaram surpresas de saber que ele tinha casa e dono. E ele olhou para gente com aquele ar constrangido por ter sido descoberto. Não que ele tivesse muita vergonha na cara, mas tinha a manha de ter sobrevivido de biscate a vida inteira e agora, que estava lindo e limpo, conseguia as melhores ofertas.
Resolvi botar uma coleira nele para evitar essa confusão, mas dois dias depois ele conseguiu arrancar. Parecia dizer que aquilo atrapalhava seu business, que parecer faminto, pobre e abandonado era fundamental pro negócio.
E o Barão prosperava. Já que eu não conseguia mudar seus hábitos, fizemos um acordo tácito: eu não me metia nos seus truques estratégicos, o deixava sem coleira, se passava por ele na pousada, na hora dos aperitivos, fazia que nem o conhecia e, depois, ele voltava pra casa na maior gratidão, me enchia de carinho, feliz de ser tão compreendido.
De certa maneira, essa seria uma boa mistura de amor e liberdade. Não privar alguém que você ama de alguma coisa que ele gosta muito, em nome de um sentimento de posse. Ser feliz de ver o outro feliz.
Barão viveu com a gente sua vida inteira, junto com os cães e gatos da casa, todos resgatados. De sua aparente timidez inicial se tornou uma espécie de mentor mais velho e respeitado por todos. Foi um dos cachorros mais adoráveis que tive e só parou seu rentável negócio quando engordou e já não convencia mais ninguém.
Bruna Lombardi escreve a cada 15 dias neste espaço. Na próxima semana, leia a coluna de Monja Coen - BRUNA LOMBARDI
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