sábado, 7 de setembro de 2019


07 DE SETEMBRO DE 2019
DIÁRIOS DO MUNDO

O inferno astral dos amigos de Bolsonaro


Derrotas recentes de inspiradores do presidente Jair Bolsonaro na arena global podem servir de lição. Na Itália, o líder da extrema-direita Matteo Salvini, próximo do chanceler Ernesto Araújo e do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), tentou uma manobra que, se desse certo, poderia levá-lo a se tornar primeiro-ministro. 

Conduziu o Executivo ao colapso e pôs em marcha seu plano de poder e domínio da política. Deu errado. Não esperava que seus rivais do Partido Democrático (PD, centro-esquerda) se unissem a seus antigos aliados do Movimento 5 Estrelas. A maioria parlamentar foi refeita às avessas (sem a Liga, ultranacionalista), e o premier Giuseppe Conte foi reconduzido ao cargo. Salvini ficou sozinho.

A Itália é a espinha dorsal do plano do ex-estrategista de campanha de Donald Trump Steve Bannon - seguido à risca por Bolsonaro, Araújo e Eduardo - de criar o movimento da "nova" direita mundial: populista para os críticos, soberanista para os adeptos.

Os outros integrantes são a Polônia de Jaroslaw Kaczynski e a Hungria de Viktor Orbán. Araújo e Eduardo fizeram live pelo Facebook, com Salvini, comemorando a extradição de Cesare Battisti e preparando a viagem de Bolsonaro no segundo semestre - que, com os reveses recentes por lá, deve ser reavaliada pelo Itamaraty. O PD é próximo de Angela Merkel e Emmanuel Macron, com quem Bolsonaro dinamitou pontes.

Outro amigo do presidente brasileiro que não anda bem na foto é Benjamin Netanyahu. Seu partido, o Likud, venceu a eleição em abril, mas o político não conseguiu reunir a direita para ter maioria para governar. Os israelenses irão novamente às urnas em 17 de setembro, aprofundando a paralisia institucional que afeta o país há meio ano. Netanyahu pode perder ou, mais uma vez, não conseguir formar um governo se vencer. Além disso, pode ser condenado por corrupção pela Justiça.

Boris Johnson não é da mesma turma de Bolsonaro, Salvini, Orbán e Kaczynski - ao contrário desses, defende direitos reprodutivos para as mulheres (o aborto é legal na terra da rainha), o respeito aos LGBT+ e medidas de combate às mudanças climáticas. Mas a retórica nacionalista, antiestablishment e contra "interferências" de órgãos supranacionais, como a União Europeia - argumento principal do Brexit - os aproximam. Johnson tentou brincar com a democracia britânica a seu bel-prazer, em 28 de agosto: conseguiu a bênção da rainha Elizabeth II para fechar o parlamento por cinco semanas para acelerar a saída do Reino Unido do bloco econômico. Se deu mal: perdeu maioria, sofreu duas derrotas consecutivas em Westminster e já não tem a caneta para conduzir o Brexit.

Do lado de cá do Atlântico, o argentino Mauricio Macri, outro aliado do governo brasileiro, tenta chegar às eleições de 27 de outubro com o mínimo de chance de evitar o retorno do kirchnerismo, em meio a uma crise econômica que lembra os insanos dias de 2001.

A história recomenda a potências médias, como o Brasil, o pragmatismo na política externa. Por suas vulnerabilidades, não é aconselhável o alinhamento automático com alguns governos e a demonização de outros ou da oposição. O inimigo de hoje pode ser o amigo de amanhã. E vice-versa. Nossa diplomacia sempre soube tirar proveito dessa flexibilidade para ganhar de todos os lados, às vezes explorando a fragilidade de relações entre rivais. A fidelidade cega não é estratégica.

RODRIGO LOPES

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