sábado, 7 de setembro de 2019



07 DE SETEMBRO DE 2019

MÔNICA SALGADO



As mentiras que as pessoas contam


Entrevisto pessoas há 20 anos. Fiz mais de uma década de análise. Comportamento humano é minha ferramenta de trabalho. Observo, estudo, leio. Devoro psicanálise, amo filosofia, me interesso por astrologia. E isso faz de mim o quê? Uma especialista que discorre com propriedade, embasamento e responsabilidade sobre as maiores mentiras que as pessoas contam? Óbvio que não!

Estou mais para colunista pretensiosa c***-regra que cultiva especial desprezo por pessoas hipócritas e sua profundidade horizontal - essas mesmas que estragam o silêncio ao proferir as mentiras deste texto. Gente sem coragem de mergulhar em si. Sonâmbulos por opção. Ou aqueles que fazem do marketing de comportamento seu guia - modalidade, aliás, súper em alta graças às redes sociais. Não são o que são, e sim o que se espera deles, o que pega bem ser. Tiram o protagonismo de si e jogam pra arquibancada. Que desperdício de personalidade!

Gente assim me faz bocejar. Já entrevistei, já convivi e, toda vez que ouço as mentiras abaixo da boca de alguém, juro pra vocês que minha vontade é soltar um sorriso Mona Lisa e dizer "Ah, para!, eu sei e você sabe que não é assim que a banda toca". Sempre me pergunto se essas pessoas não se sentem constrangidas ao olhar nos olhos do interlocutor e responder que seu maior defeito é a sinceridade. Ou o perfeccionismo. Faça-me o favor!

Sou do time do seja quente, seja frio, não seja morno senão te vomito. E do conhece-te a ti mesmo. Meus mantras. Não sou dona da verdade, não. Mas prefiro uma verdade nua e profunda (mesmo que feinha) a uma mentira protocolar e superficial. Se eu pecar, será pelo excesso. Se falhar, será uma falha monumental, típica de quem se expõe, se desbrava, se testa. Sempre fui de cagadas grandiosas. São assim as pessoas que vomitam o morno. Não são assim as pessoas que falam estes tipos de asneiras...

"Não me arrependo de nada do que fiz"

Falou o perfeitão, de currículo irretocável, de trajetória ilibada. Pessoa que flana pela vida fazendo o bem sem olhar a quem. Que tomou todas as decisões certas no timing certo. Inclusive na adolescência. Não magoou, não sacaneou, não explodiu e depois se arrependeu, não comprou brigas desnecessárias ali no calor do momento. Parabéns, Madre Teresa! Eu já fiz isso tudo e mais um pouco. Machuquei e decepcionei um bocado de gente. Gritei e falei coisas que nem eram verdade apenas pra ferir. Não fui empática o suficiente com pessoas que trabalharam comigo. Por mais que me odeie por isso, por vezes descontei no meu filho problemas que nada tinham a ver com ele. Já quebrei uma promessa importante que fiz a meu marido. Pratiquei bullying na escola. Me arrependo sim e, se pudesse, faria diferente.

"Não queria ser mais ninguém, apenas eu mesmo"

Ah tá que você não queria ser a Beyoncé?

"Meu maior defeito é o perfeccionismo"

Pra vocês que dizem isso eu reservo os meus mais sinceros e ruidosos bocejos. Assim como fruta não é sobremesa, perfeccionismo não é defeito! É tão somente uma qualidade (bastante apreciada, aliás) que, segundo seu julgamento, você tem em excesso. E é esse excedente da qualidade que você tacha de defeito. Do seu maior defeito, aquilo que você tem de pior. Que autoanálise míope. Apenas. Me. Dê. Um. Defeito. De. Verdade. Você é humano e isso é esperado, amigo...

"Não preciso de terapia porque me analiso sozinho"

O processo terapêutico é sobre trazer pra luz as sombras do nosso inconsciente. Conforme os pontos obscuros clareiam, somos menos governados pelo inconsciente e ficamos mais aptos a exercer nosso livre-arbítrio - apesar de meu muso Pondé (o filósofo Luiz Felipe Pondé) ter escrito que "a ignorância pode ser uma forma de conforto, já que às vezes é melhor não saber". Pode ser. Nada é absoluto. E saúde mental custa caro. Mas gosto da ideia de ter um guia me ajudando na jornada, porque não é raro, ao se autoanalisar, a gente criar versões tóxicas dos fatos, ler as coisas a partir de um estado de desespero, se boicotar e repetir padrões não saudáveis. Não acho que só é feliz quem faz terapia, tá? Só acho que quem faz é feliz mais rápido.

MÔNICA SALGADO

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