sábado, 14 de setembro de 2019


14 DE SETEMBRO DE 2019
CARPINEJAR
A flor e a torta

No amor, às vezes é preciso diminuir o ritmo.


Porque o outro não vem lhe entendendo, você conversa com pressa, come as frases, os cumprimentos, as gentilezas, pensa em explicar depois e não explica nunca, lembra de contar as novidades apenas quando está longe, sai correndo e volta tarde.


Está criando um enorme mal-entendido. A sensação é que deixou de amar. Nem reparou que passa a mensagem errada. Sua esposa (ou seu marido) já está criando teorias da conspiração, prevendo que a relação amornou e se encaminha ao fim. A surdez emocional surge de pequenos ruídos de comunicação que não são esclarecidos pontualmente.

E você não deixou de amar, deixou de viver o amor, que são duas operações diferentes. Deixou de declarar o amor. Deixou de verbalizar o amor. Deixou de demonstrar o amor. Extraviou-se na mecânica da rotina e na afobação. Jura que dividir a mesma casa é o equivalente a repartir os pensamentos.

Parece que foge do contato visual e só se sente sempre atrasado. Parece que evita o abraço e o beijo e só se encontra aflito em dar conta de tudo. Nem é capaz de identificar a preocupação de sua companhia com o seu comportamento desleixado. Acha que está tudo bem. Não vê o sinal de alerta piscando nos olhos dela, muito menos detecta a quebra involuntária da lealdade de sua parte.

Reduza a velocidade. Faça de conta que está carregando uma torta ou uma orquídea no banco ao lado do carro. Não pode frear de modo brusco, tem que manter a constância e evitar as curvas mais fechadas. Um deslize e a cobertura da torta desmorona. Um descuido e a orquídea perderá as suas frágeis pétalas.

Ande alguns quilômetros de palavras assim nos diálogos com o seu par, consciente do material valioso que transporta: vários anos de casamento, de confissões, de partilhas, de aventuras, de arrebatamentos, de filhos, de cumplicidade na mesa e intimidade na cama.

É o mesmo malabarismo atento que devemos ter em nosso romance: falar pausado, didático, lento, cuidando com a reação e respectiva compreensão, expondo as nossas emoções, desenhando o nosso raciocínio, para que a verdade (o doce) e a beleza (a flor) jamais se machuquem à toa.

CARPINEJAR

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