sábado, 28 de setembro de 2019


28 DE SETEMBRO DE 2019
VARIANDO

Os segredos de Ibirubá


Voltou o assunto dos supostos túneis nazistas de Ibirubá. Como podem perder tempo com essa dúvida? É claro que eles existem. E digo mais, muitas outras cidades têm seus túneis de segredos, basta procurar.

Abaixo da terra estão os que já se foram e os mistérios. Tudo o que não deve ser mexido está guardado a sete palmos. Pegue uma pá e vá lá cutucar. Mas cuidado com o susto, esse é o perigo da missão.

Essas buscas embaralham história com mito. Pessoalmente escolho o segundo. Ele é mais mágico, mais rico, e diz mais de nós do que a realidade.

O fato é que procurar nazistas no solo gaúcho é caçada certeira. Temos uma grande imigração alemã e é bom lembrar que tardamos para escolher o lado. Enquanto a guerra se iniciava, não se sabia para onde iríamos. O que conhecemos hoje sobre o delírio nazifascista não era claro então. Não soava como a civilização versus barbárie, que hoje parece óbvio, era a escolha de um lado. Para muitos imigrantes, seguir a Alemanha era um destino tanto possível quanto desejável. Poucos deram-se conta de que Hitler destruiria o que eles mais amavam: a fecundidade da cultura alemã.

Antes da guerra, a Alemanha era um império de ideias, uma fonte criativa, um modo singular de pensar. Ali nasceu a Bauhaus, a escola de design que levou a estética à produção industrial. Foi o palco da chegada do expressionismo, com seus traços exagerados para nos esfregar a verdade no rosto. A Alemanha possuía uma tradição filosófica extraordinária e uma literatura riquíssima. Cientistas em todas as áreas e, para meu gosto, a mais rigorosa escola psiquiátrica. Um parque tecnológico florescente e a melhor indústria química do mundo da época.

Veio a guerra e foi-se tudo pelo ralo. A Alemanha pode hoje ser uma potência econômica, mas ainda não retornou a ser o polo cultural ímpar que já foi. Imaginem para nossos conterrâneos germanodescendentes o que foi assistir a essa derrota. Uma mistura amarga de estar no lado errado com ser duplamente derrotado, tanto de fato, quanto moralmente.

A Segunda Guerra desconcerta por ser daqueles momentos em que a razão manca e abre passo para os salvadores da pátria com sua lábia prenha de maldade. Quando o fel é transformado em política e o ressentimento ganha palco. Quando a pauta não é a proposição, mas a guerra contra tudo e todos e a aniquilação do adversário. Quando descobrimos, à custa de sangue, que o ódio corta dos dois lados, envenenando e matando também quem o produz.

O subsolo gaúcho esconde lembranças desses tempos duros. Da época em que alguns flertaram com esse inimigo que odiou tanto, que se esvaziou de sua humanidade. Os cacos desse pesadelo seguem cortando, pois nunca perdem o gume. Talvez não retornem agora por acaso, e sim por outros ovos de serpentes que estão a chocar.

MÁRIO CORSO

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