sábado, 14 de setembro de 2019


14 DE SETEMBRO DE 2019
RODRIGO CONSTANTINO

A dignidade do homem


Em meio a um ambiente tão tóxico e polarizado, em que sobram rótulos depreciativos e xingamentos e faltam argumentos e convívio civilizado com o contraditório, creio ser útil resgatar o pensamento de Pico Della Miràndola. Tomo como base seu texto A Dignidade do Homem, escrito em 1486, que foi sua dissertação doutoral.

O grande insight de Pico foi ter visto o homem como mais do que apenas racional ou espiritual, mas também como produto inacabado, perfectível, que se cria e se transforma no dinamismo da história. Ou seja, temos uma natureza humana, mas não estamos amarrados a qualquer determinismo, podemos ir além dela.

Essa visão traz um aspecto mais psicológico da liberdade, e também mais abertura e risco. Não somos escravos de impulsos. Podemos melhorar - ou seja, também podemos piorar. Temos um grau de soberania, um filtro de escolha que nos permite certa autonomia e nos traz responsabilidade. Podemos frear apetites por meio da moral.

Em suma, podemos descer ao grau de animalidade, como podemos ir em direção ao divino, e tudo por decisão pessoal. Cabe ao homem escolher ser homem, não à imagem das bestas, mas sim de Deus. Pico tenta unir as visões do idealismo platônico e do realismo aristotélico. E eis sua grande contribuição: ele rejeita que cada um seja tido como dono exclusivo da verdade.

Hoje ele poderia ser chamado de "isentão", mas seu intuito era nobre. "De fato, é próprio da mente tacanha prender-se a uma só escola", escreveu, acrescentando que "em cada escola, sempre há algo de peculiar que não se repete nas demais". E se uma escola contraria postulados básicos da razão? Pico responde que isso, "ao invés de abalar a verdade, confirma-a tal como a chama mortiça, que, reanimada pelo vento, não se extingue".

Mente aberta para o diálogo com o contraditório, eis a bela mensagem. Do confronto entre essas escolas, "haverá de luzir mais esplêndido aquele fulgor de verdade", qual "sol nascente para nossas mentes". Buscar apoio nas descobertas vindas de fora, cultivar sistemas alheios e, acima de tudo, lembrar não tanto quanto sabemos, mas o tanto que ainda ignoramos: essa postura humilde pode nos aproximar mais da dignidade humana.

RODRIGO CONSTANTINO

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