sexta-feira, 5 de julho de 2019



E palavras... 

Música Pensando bem e ouvindo bem, acho que para que outro mundo seja possível e para que este velho mundo sem porteira que temos aí desse uma melhoradinha, é preciso mais música. Música da boa, com harmonia, temas, letras e arranjos dignos de nossos ouvidos maltratados por essas aporrinholas eletrônicas e essas letras tenebrosas. 

A audição é nosso primeiro sentido. Na barriga da mãe não vemos, cheiramos, tocamos e não sentimos gostos. Mas ouvimos sons, palavras, música. Pessoas idosas com demência e outras terríveis doenças do sistema nervoso central (o nosso software), quando ouvem alguns sons ou melodias conhecidas, têm sua memória ativada. A música e o amor são as coisas mais próximas de Deus. Se você não acredita em Deus, pense que música e amor são as coisas mais próximas da vida, pronto. 

Talvez a única linguagem realmente universal, a música bem poderia ser mais utilizada para as pessoas e os países se entenderem melhor. Geralmente ao som de música boa, as pessoas apresentam comportamentos mais harmoniosos, riem, dançam, cantam e choram lágrimas de alegria ou tristeza. Quem sabe a música funcione como uma forma de tirar as pessoas de sua incomunicabilidade, solidão e individualismo crescentes nesses tempos de alta tecnologia e redes sociais tantas vezes antissociais. 

No cinema a trilha sonora quando é boa se torna personagem dos filmes, como, por exemplo, as inesquecíveis melodias de Nino Rotta nos filmes de Fellini. Pensando bem, o melhor dos Estados Unidos é o jazz, o melhor do Brasil é a bossa nova e o samba e o melhor dos países da Europa, em geral, é a música. Poucos elementos culturais atravessam o tempo, a geografia, as almas e os corações como a música. Ouvimos as canções desde a barriga da mãe até as últimas células vivas de nossos ouvidos. 

Uma canção nos leva para tempos, pessoas, perfumes, ambientes e lembranças por vezes inimagináveis. Beethoven ouvia música até depois de ficar surdo, dizem. Música, cantores, compositores, letristas e músicos geralmente inspiram o melhor nas pessoas, geralmente acordam nos humanos sentimentos e ações do bem. É muito isso, num mundo de muita coisa feia, de muita dissonância e de poucas "orquestras" que toquem com afinação. Bem, mesmo com desafinação, é melhor do que música nenhuma. 

No peito dos desafinados também bate um coração, disse o Tom Jobim, nosso Maestro Soberano, que tanta falta nos faz e que tanto ajuda os músicos e cantores de todos os bares, restaurantes, teatros e espaços do Brasil e do exterior. Tom ajuda até hoje os colegas a ganhar seu pãozinho com manteiga, cantando e tocando Garota de Ipanema no Rio, em Porto Alegre, em Salvador, em Paris e no Japão. Tom é o Santo Padroeiro dos Músicos. 

Há muitos tons, mas um só Jobim, um de nossos maiores tesouros nacionais. Música é quando não precisamos palavras, letras e permitimos que os sons expressem delicadamente o que não conseguimos dizer com palavras ou gestos. Música é o que jamais vamos conseguir revelar de todo falando, escrevendo ou mexendo os olhos, os lábios, os pés e as mãos. Música ajuda a gente a viver. Música é o Tony Bennett sobrenatural, vivo, cantando e ensinando coisas boas para a Lady Gaga.   

A propósito... 

Bento Gonçalves, eu tinha quatro anos, estava com meu amigo Aldinho, mesma idade, os dois de pijama e pé no chão na frente de casa. Nove da manhã, acho. Aí foi chegando uma bandinha com uns sete ou oito músicos. Flauta, tarol, trombone, bumbo, por aí. Música da boa. Eu e Aldinho saímos atrás, sem avisar. Fomos atrás da banda até o Centro, mais ou menos um quilômetro. Os músicos se dispersaram. 

Os sons continuaram nas nossas cabeças. Aí um conhecido, o Galaor, perguntou o que a gente fazia ali. "A gente veio atrás da banda." Nos levou para casa. A bandinha toca até hoje em nossas mentes. Vai tocar até o fim, que está bem longe, não é meu querido amigo Aldo Meneguzzi Jr.? - 

Jornal do Comércio (https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/colunas/livros/2019/07/691635-saramago-jose-personagens-e-ficcoes.html)

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