09 DE JULHO DE 2019
CHAMOU ATENÇÃO
SEGREDO ENTRE VÓ E NETA
Demonstramos apreço quando repartimos os nossos dias sem necessidade. Minha mãe costuma se encontrar com minha filha no mesmo restaurante toda terça.
É a reuniãozinha particular delas, alheia à minha presença. Hoje acontecerá de novo. Já traçaram essa rotina há cinco anos. Faça chuva, faça sol, lá estarão elas na mesma mesa, perto do caixa: Maria, 80 anos, e sua neta Mariana, 25 anos.
O curioso é que a mãe chega sempre com uma sacola de frutas para Mariana. Braçadas de bergamotas, maçãs, bananas, laranjas. Como se fosse uma entrega da Ceasa.
Colocou na cabeça que a neta não pode se descuidar das vitaminas. O que soava como uma lembrança virou um hábito. Em vez de advertir sobre os cuidados com alimentação, traz os conselhos materializados.
Nem pergunta se ela estava precisando, surge com a oferenda irrecusável.
Depois do almoço, Mariana parte para a faculdade (cursa Letras na UFRGS). Ela tampouco reclama do incômodo de levar a sacola para o campus do Vale, em Viamão, afora a sua pesada mochila com cadernos e livros.
Mariana poderia alertar a vó de que buscava as frutas outra hora, como qualquer filho faria, por preguiça e comodidade. Mas agradece o contrabando de pomar com um beijo na testa. Anda de ônibus cheirando a tangerina e laranja, perfume que fica ainda mais forte no inverno.
A avó poderia não ter o trabalho de passar sempre na fruteira antes do restaurante. São cinco quadras a mais em seu trajeto pelo bairro. Conta com a liberdade da velhice de saltear o compromisso, esquecer algum dia, não manter essa obrigação. Mas jamais muda os planos. Às vezes, vem com um abacate ou um abacaxi, em dias mais comemorativos.
São gentilezas mútuas, de quem se gosta, se admira e se reconhece. Quando duas gratuidades se encontram, guarde a certeza de que é amor.
Eu perguntei, de enxerido, essa mania de Rainha Midas praticada há tanto tempo pela mãe. Se existia algum motivo particular, alguma metáfora escondida no gesto, além da preocupação preventiva com a saúde.
- As frutas não caem longe do pé, meu filho. Não custa avisar para a minha neta. Mas, na tentativa de firmar a proximidade da filha comigo, cada vez mais ela vem se parecendo com a sua vó.
Elas formam o caroço de uma polpa doce e sumarenta. E são inesquecíveis porque repetem as frugalidades semanais com dedicação.
CARPINEJAR
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