18 DE JULHO DE 2019
DAVID COIMBRA
A nova ousadia dos criminosos
Quando você vai escrever uma história, mesmo que seja sobre as rosas que se abrem no jardim, o passarinho que pousa na janela ou a doçura do beijo da mãe, você precisa colocar nela um pouco de tensão. O leitor tem de ficar ansioso para saber o que vai acontecer. É por isso que eu gostava tanto de ser repórter de polícia - por causa do mistério que envolvia cada caso. Um crime importante a ser desvendado é uma das melhores histórias para se contar.
Nos anos 1980, jovem repórter do Diário Catarinense, eu me divertia brincando de investigador. Por duas vezes, em meio à apuração de assassinatos, recebi telefonemas estranhos. No primeiro, um homem avisou que, se eu continuasse a fazer as matérias que fazia, sofreria consequências. Achei aquilo emocionante e fiquei muito orgulhoso de ter sido ameaçado. Contava para os amigos:
- Fui ameaçado! Estão tentando me calar! Mas não conseguirão! Ah, não! A missão jornalística em primeiro lugar!
No segundo telefonema, a pessoa foi mais sutil. Advertiu, apenas:
- Cuidado, cara?
Por alguma razão, senti que a coisa era séria. Naquela mesma noite, tive a impressão de estar sendo seguido. Disse para o chefe de reportagem, o Nei Manique, que estava preocupado. O Nei de imediato passou a pauta para outros repórteres e eu fiquei aliviado em deixar a missão jornalística para o segundo lugar.
Não é por acaso que meu primeiro livro, 800 Noites de Junho, foi sobre o Caso Daudt. Aquele crime me fascinava. Na verdade, fascinou todo o Rio Grande do Sul. Foi o caso policial mais excitante da história do Estado. Por quê? Por causa do mistério. Todo mundo perguntava: "Quem matou Daudt?". E todo mundo tinha uma tese perfeita a respeito.
Sinto orgulho daquele livro, confesso, imodestamente. Lembro de quando meu amigo e editor, o Sérgio Lüdtke, terminou de ler o original. Nós estávamos sentados frente a frente, no apartamento em que ele morava, na Rua Celeste Gobatto. Ao virar a última página, o Sérgio exclamou, sem me olhar, mais para ele mesmo do que para mim:
- Matou a pau!
Fiquei contente, porque percebi a sinceridade do elogio. Comecei contando aquela história assim:
"Há 70 minutos cruciais na vida do ex-deputado Antônio Dexheimer. Um hiato entre as 21h e as 22h10min da noite fria e nevoenta de 4 de junho de 1988.
Durante mais de cinco anos Dexheimer sustentou que, às 21h, tirou o seu Monza cinza, placas LA-5297, da garagem da casa dos pais, na Praça Bela Vista, 26, comprou dois maços do encorpado cigarro Minister no Posto Figueroa, esquina com a Bordini, e esticou o passeio solitário numa lenta ronda de uma hora pelas ruas semidesertas de Porto Alegre.
Aquecido por um pulôver de lã bege, um blusão de tom marrom, pelo ar-condicionado do carro e pela fumaça dos Minister, mal estremeceu devido à baixíssima temperatura que espargiu, naquela madrugada, uma camada de neve de 16 centímetros de altura ao longo das ruas escuras de São José dos Ausentes, e matou dois homens, um a 40 quilômetros de distância, em Novo Hamburgo, outro encontrado de manhã, encolhido e duro, num canto do Estádio Vermelhão da Serra, em Passo Fundo".
Se fosse fazer o relato de algum crime cometido hoje, teria de fazer diferente. Hoje, as histórias da Editoria de Polícia mudaram de natureza. Não são mais, em sua maioria, de mistério; são de violência. Os criminosos em todo o Brasil, mas especialmente no Rio Grande do Sul, se tornaram mais brutais, mais cruéis e mais frios. Eles enfrentam policiais treinados e profissionais, eles usam a própria família como escudo, como ocorreu ontem, eles estão ousados e perigosos como nunca.
Hoje, o repórter de polícia tem de fazer como algumas feras que militam nessa área na RBS: o Cid Martins, o Humberto Trezzi, a Adriana Irion, o Renatinho Dornelles. Aliás, tenho de contar algo a respeito. Mas o farei amanhã. Aguarde.
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