segunda-feira, 15 de julho de 2019



15 DE JULHO DE 2019
CLÁUDIA LAITANO

Tabata e as princesas

No dia seguinte à votação da reforma da Previdência, um único voto a favor recebeu mais atenção do que todos os outros 378. Há menos de um ano no Congresso Nacional, Tabata Amaral foi tratada pelo tribunal da internet como se o voto dela, sozinho, tivesse definido não apenas o placar, mas o futuro da nação.

Pode-se argumentar que o partido da deputada, o PDT, e seus eleitores têm todo o direito de questionar o voto de uma parlamentar em um tema tão importante, mas o fato é que a reação que se viu nas redes foi muito mais estridente e compacta do que a capacidade dos trabalhistas de repercutir nacionalmente discussões sobre a fidelidade partidária dos seus congressistas. O linchamento virtual de Tabata é o que em psicanálise se chama de "sintoma": uma dor que não é só aquilo que aparenta, mas o que pode significar. Sem nunca contar com a confiança da direita (foi a voz mais contundente nas críticas aos ministros da Educação do governo Bolsonaro, por exemplo), Tabata conseguiu pirar o cabeção da esquerda.

Ignorar as sutilezas e complexidades da realidade é o novo (velho?) esporte nacional. À direita e à esquerda, vemos pessoas se comportando como se estivessem em um estádio de futebol, e não em um barco que corre o risco de afundar. De um lado, uma direita abilolada criando e combatendo seus próprios fantasmas (que tal essa de remover a palavra genitor dos formulários de passaporte para "fortalecer estruturas familiares"?). Do outro, uma esquerda que ataca moinhos de vento como se fossem monstros, tratando com virulência uma possível futura aliada (como se a oposição, neste momento, pudesse se dar ao luxo de se encastelar ou exigir pureza programática).

Posições com relação a tamanho do Estado, combate à desigualdade e defesa das liberdades individuais muitas vezes embaralham as categorias ideológicas tradicionais, e Tabata representa exatamente o tipo de liderança política que tende a colocar ainda mais em evidência essas tensões. 

Mas não consigo deixar de me perguntar em que medida o fato de Tabata ser uma mulher jovem, perfil raro na política brasileira, influenciou a reação contra ela nas redes sociais. Até que ponto uma mulher que se destaca em sua profissão desperta desconfiança (e mesmo raiva) quando apresenta características como independência, assertividade ou firmeza, traços em geral considerados positivos (ou neutros) nos homens? 

Tabata tem voz e rosto de princesa. De alguma forma, projeta a imagem da Cinderela moderna que saiu da pobreza para enfeitar um bonito palácio em Brasília. Mas não se enganem: ela não precisou de nenhum príncipe (ou patrocinador) para formar suas convicções. Chegou lá com as próprias ideias e os próprios votos. Não se espere dela, ou de qualquer outra, que se comporte como a Bela Adormecida.

CLÁUDIA LAITANO

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