13 DE JULHO DE 2019
CARPINEJAR
O amor transborda
Meu pai de 80 anos veio com uma frase gratuita no meio de nossa conversa: - Vejo que está muito feliz na relação.
Não entendi a sentença. Sim, estou muito feliz no meu casamento. Mas de onde partiu essa conclusão? Ele não tem redes sociais, não costuma conferir fotos no meu Instagram, não existia nenhuma novidade da minha vida pessoal, não recordava nenhum gancho recente para despertar o assunto.
- Por que está me dizendo isso? - É que você nunca foi tão carinhoso comigo.
Fez completo sentido para mim. Quando amamos de verdade, o amor não se restringe ao casal, não fica preso à rotina entre duas pessoas, transborda para todos os outros elos.
Passa a ser generoso com os pais, com os filhos, com os irmãos, com os amigos. Não somente melhora para o seu par, mas para os afetos em geral. Torna-se mais atento, mais cúmplice com a família. Como se houvesse uma reserva de paz e compreensão dentro de você a abastecer quem está próximo.
O amor mesmo não é egoísta, ultrapassa a esfera particular para qualificar o carinho dado longe de casa.
Amando, você trabalha com calma. Amando, você não esquece aniversários e datas comemorativas. Amando, você se preocupa com o estado emocional de sua rede de contatos. Amando, você não é preguiçoso com as suas horas vagas. Amando, você que telefona, procura, media conflitos, estabelece a paz de desentendimentos antigos.
É uma questão de lógica: se não há estresse no casal, tem tempo de sobra para ampliar o diálogo com as fontes de sua ternura. Não gasta o seu espaço emocional com fuxico.
Não existe uma relação boa sem estar de bem com os demais.
É possível perceber que um casamento está chegando ao fim quando um dos dois vive discutindo com os colegas, estremece a convivência com os parentes, deixa de visitar os pais, arma conflitos em seu emprego, rompe amizades de longa data, grita no trânsito, é mal-educado gratuitamente na rua, é ranzinza na maior parte do dia.
De repente, nem briga diretamente com o marido ou com a esposa, as partes interessadas dos seus problemas, e sim com aqueles que não têm nada a ver com as suas dores. Porque não caiu a ficha que está descontente com os rumos do próprio romance.
Parece que a origem da raiva nem parte do relacionamento, já que não há consciência da frustração. Pode acreditar equivocadamente que tudo vai bem na intimidade e não perceber os efeitos colaterais do desgaste. Jura que são azares fora do quarto.
Porém, a alegria externa é uma consequência direta da tranquilidade doméstica.
O amor adoece primeiro fora do lar. Você está triste e desconta os medos e recalques nas circunstâncias mais banais. Fica avarento, obsessivo e crítico em excesso. Isola-se em fantasias destrutivas. Não perdoa nenhuma dúvida ou hesitação, não tolera nenhuma discordância. Emburrece de ódio reprimido. Acha que todos estão errados e só você tem razão.
Amor é coletivo quando preenchido individualmente. Amor é público quando os segredos não incomodam. Meu pai sabe das coisas.
CARPINEJAR
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