sábado, 27 de julho de 2019



27 DE JULHO DE 2019
MÁRIO CORSO

A depressão traduzida em monstro

Você já sentiu uma pontada de frio na alma, uma sensação estranha de que nada vale a pena? Ou, repentinamente, o mundo fica sem cor e nada faz diferença? Ou, ainda, algo vago que começa com um aperto no peito, uma sensação de falta que, embora aguda, não se sabe do que é, acompanhada de uma desesperança absoluta e uma ideia de que está tudo errado com você?

Se essa sensação for eventual, tudo bem, de quando em quando a experimentamos e isso é incontornável da dimensão humana. Mas, se isso se instalar e vier com a certeza de que não valemos nada, nunca, para ninguém, temos uma depressão. Isso é muito sério, vá procurar ajuda.

O calvário da depressão ganhou um monstro à altura para representá-lo com a chegada do Dementador, uma das mais geniais criações da escritora J. K. Rowling. Esse monstro nos induz a um estado deplorável pela sua simples presença. Basta fazer sua aparição para que toda nossa esperança se esvaia e sejamos inundados pelo nada. Sentimo-nos sem valor, sem força para seguir lutando. Se sobrevivermos, será só por falta de energia até para nos tirar a vida. Ficamos inertes, hipnotizados por essa negatividade. Depois de encontrar um deles, acreditamos que nunca mais seremos felizes. No mundo de Harry Potter, eles são os guardas da prisão de Azkaban.

Até então os monstros machucavam, decepavam, engoliam e matavam, muito distintos destes, cuja arma é a tristeza. O Dementador é o terror em estado puro: uma aniquilação que prescinde de tocar no corpo. Ele age sugando nossas boas lembranças. Sem elas, seríamos reduzidos a nada. Como também inocula a desesperança, não resta a expectativa de conseguir valer algo no futuro.

Em síntese, a depressão é uma tristeza que nos engolfa quando os laços afetivos (nossas boas lembranças) que nos seguram como numa teia se desfazem. Então alcançamos o vazio e afundamos numa bolha egoica que não ama nada, nem a si mesmo.

Os psicanalistas não teriam muito a objetar a Rowling. É claro que nós acreditamos que em geral o Dementador está na nossa trincheira, ou seja, que a maior fonte de dor provém de nós mesmos quando nos desencaixamos dos trilhos dos afetos e das relações. Quando ficamos nus e sem defesa frente às exigências sociais.

Só quem já teve depressão de fato a entende. Sabe que não se trata de falta moral, de preguiça, de covardia. Sabe que o amor dos seus queridos lhe é importante, mas não é suficiente para dissolver a paralisia.

A arte é uma forma prévia de sabedoria, chega como literatura aquilo que sabemos de forma intuitiva. O fato é que temos uma excelente imagem da depressão, principalmente para um público jovem, pois nem as crianças ignoram ou estão a salvo dos perigos da depressão. Melhor assim, conhecendo os contornos do monstro, nomeando suas artimanhas, fica mais fácil combatê-lo.

MÁRIO CORSO

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