sábado, 20 de julho de 2019



20 DE JULHO DE 2019

CARPINEJAR



Complexo desapego


Há cada vez mais grupos de desapego de roupas. Só que o risco de entrar em um WhatsApp com dezenas de pessoas abrindo o seu espólio por preços módicos é dobrar o seu armário em vez de diminuí-lo.

Você entra pela resolução feliz e equilibrada de viver com menos, de arejar as gavetas e tirar o peso dos cabides, de dar uma ordem nas quatro estações de seu figurino. Sua motivação é autêntica, genuína e madura: libertar-se do consumismo desenfreado, reprimir o hábito de adquirir algo involuntário, que não prevê quando vai usar e como vai usar.

Dispõe-se a oferecer tudo o que não está vestindo há tempo, mas os efeitos são contrários. Acaba sendo sugada por uma lojinha virtual com ofertas indescritíveis. Vestidos de festa por gorjetas, conjuntos por esmolas, sapatos por migalhas.

É como ir para uma reunião dos alcoólatras anônimos e descobrir, logo na entrada, uma vernissage com bebida liberada para a recepção dos novos integrantes.

Aquela calça que você tem e gosta mas que não botava mais as pernas porque sentia falta não sabia do quê, encontra uma segunda vida nos balaios. Vê logo de cara uma camisa adequada de cor igual. Ou seja, a alma gêmea de seda que tanto ansiava por uma pechincha no grupo. Você compra e não vende mais a calça. Aquele casaco que não desejava mais por estar enjoada parece que faz novo sentido com uma blusa rifada ali. Você compra e não vende mais o casaco.

Já está gastando no lugar de economizar ao reencontrar coleções que não estão mais em circulação. Experimenta um túnel no tempo, acessando todos as épocas de suas grifes preferidas.

Nem se importa com o valor do frete, enlouquece com a possibilidade de estrear as combinações. Sonha em sair com elas no fim de semana.

É uma situação contraditória e ambígua: precisa conviver e socializar o material para dar cabo de seu guarda-roupa, porém, simultaneamente, começa a se envolver com as tentações de pessoas com o mesmo propósito.

Não consegue mais pensar. As entradas são maiores do que a saída. O cartão de crédito vai perdendo o contorno de seus números confidenciais.

É ter ao alcance das mãos, sem sair de casa, na impunidade do seu sofá, os closets abertos de colegas para pegar o que quiser e ressignificar as suas peças usadas. Nem sofrerá escondendo as sacolas do shopping da família.

Não está mais em condições de mandar em si. Engoliu o armário-cápsula nas primeiras horas respondendo às meninas.

Tem no celular um shopping condensado no bolso, um provador 24 horas, uma liquidação portátil, e passa a brigar para arrematar o que está sendo comercializado e esquece de postar fotos do que pretendia se desvencilhar. O desapego é possível. O problema são os outros desapegando junto.

CARPINEJAR

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