27 DE JULHO DE 2019
DAVID COIMBRA
A russa do quinto andar
O alarme de incêndio tocou três vezes nessa madrugada aqui no prédio. É óbvio que está com defeito, não tem nada pegando fogo, mas você é obrigado a levantar e sair para a rua - normas de segurança e tal. Até porque ninguém conseguirá dormir. Em cinco minutos, sempre que soa o alarme, chegam dois caminhões de bombeiros, dois carros de polícia e uma ambulância, todos com as sirenes ligadas, fazendo grande alarde. Os bombeiros saltam dos carros e entram no edifício açodados, carregando mangueiras e machados e tudo mais. Naquele momento, eles são mais importantes do que o presidente da República. Agem com muita autoridade e são muito respeitados. Os moradores ficam esperando pacientemente que digam que o prédio está liberado e só então voltam para suas casas.
Na primeira vez que o alarme soou, eram 2h40min da madrugada. Escorreguei para fora da cama e me dirigi sem pressa para a escada de incêndio. Imaginava que devia ser uma panela esquecida no fogo, como da última vez que o alarme tocou. Quando saí do prédio, quase todos os vizinhos já estavam na calçada, inclusive a morena do quinto andar.
Ela é nova no prédio, e acho que veio da Rússia. Se não for da Rússia, veio da Moldávia. Ou da Ucrânia. Um desses lugares. Deve ter uns 35 anos, talvez um pouco mais. Calçava chinelos e uma camisola que escondeu debaixo de uma camiseta comprida. Seus cabelos estavam presos por um coque que deve ter improvisado ao saltar da cama. Atrás dela, um menino de uns 12 anos de idade a observava de olhos arregalados e boca aberta.
Entenda: vivemos o verão no Hemisfério Norte. As mulheres saem às ruas vestindo roupas sumárias, shorts mínimos, minissaias realmente mínis. Logo, é mais do que natural ver pernas de louça de mulher expostas por aí. Ou seja: a russa do quinto andar não mostrava nada que o garoto de 12 anos não visse todos os dias, em toda parte. Mas ele estava visivelmente emocionado.
Sorri. Lembrei-me de quando também tinha meus 12 anos. É uma idade decisiva para o menino, porque ele está deixando de ser criança e ainda não é adolescente. Está transitando entre a inocência e a malícia, sabe que algo de importante está prestes a lhe acontecer, mas ainda não aconteceu. Nessa idade, a diferença que existe entre os meninos e as meninas não faz mais com que queiram se afastar; faz com que queiram se aproximar.
Mas isso não é assim tão simples. Porque elas têm algo estranho, que os deixa inseguros. Olhe o que elas fazem. Quando vão cruzar as pernas, elas não cruzam, elas enroscam uma na outra de um jeito só delas e ficam equilibradas naquelas duas serpentes, bem eretas, como se estivessem prestando atenção em algo muito interessante que se passa logo ali. Algumas, se estão distraídas, enrolam uma mecha de cabelo no indicador e deitam a cabeça de lado, com suavidade. E, quando vão experimentar um perfume, borrifam o próprio pulso e levam-no à ponta do nariz, para sentir o cheiro. Como é bonito ver uma mulher aspirando o aroma que lhe vem do pulso. Mas é claro que, para um guri de 12 anos, o evento clássico se dá quando ele está na praia e vê uma mulher puxando a alça do biquíni para melhor encaixá-lo nas ilhargas. Esse é um acontecimento que ele quererá partilhar com os amigos: "Nem imagina o que eu vi hoje à tarde?".
Ah, uma mulher, mesmo que seja só uma menina, ela às vezes faz silêncios ou sorri de uma forma que é enigmática para um menino de 12 anos. Dependendo do silêncio e do sorriso, será enigmático até para meninos de 40, 50, 60 anos. Por isso, compreendi a fascinação daquele garoto com a russa do quinto andar. As rendinhas da camisola, que surgiam por baixo da camiseta larga, o chinelo rasteiro que ficou equilibrado entre os dedos do seu pé direito quando ela acomodou-se numa mureta e cruzou as pernas, aquela intimidade inesperada era o suficiente para deixá-lo sem respiração.
Fiquei olhando para a cena por alguns minutos. Agora, o alarme já havia sido desligado, o chefe dos bombeiros fez sinal de que estava tudo sob controle. Então, a russa se levantou, levou a mão para a parte de trás da cabeça e de lá puxou a vareta que lhe prendia o coque. Seus cabelos desabaram, macios, até os ombros. E o menino, a dois passos de distância, ergueu a mão ao peito e suspirou. Continuou ali parado, enquanto a morena sumia no saguão do edifício. Foi para casa sem nem desconfiar que, naquela noite, ela entrou para a história de uma vida.
DAVID COIMBRA
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