terça-feira, 2 de julho de 2019



02 DE JULHO DE 2019

DAVID COIMBRA

A moça que vende doces para estudar

A Larissa Migotto está vendendo docinhos na Volta do Gasômetro porque precisa, com urgência, juntar US$ 5 mil. Fiquei comovido com sua história, porque os motivos da Larissa são nobilíssimos: tendo estudado apenas em escolas públicas de Porto Alegre, ela foi aprovada para fazer mestrado em SEIS universidades americanas. Trata-se de uma façanha. Só a alcança quem muito se esforça e muito se concentra.

Serão dois anos nos Estados Unidos, com bolsa de estudos integral e até um pequeno salário para as despesas pessoais. Só que o seguro-saúde é por conta dela. Donde, a necessidade dos US$ 5 mil. Donde, a venda dos docinhos.

Imagino que os porto-alegrenses, solidários que são, inteirados da história de Larissa, correrão para o Gasômetro a fim de comprar docinhos com a avidez de chocólatras com síndrome de abstinência. O problema é que estamos falando de US$ 5 mil. O equivalente a R$ 20 mil. Cada unidade custa R$ 1. Ou seja: ela tem de vender 20 mil doces. Se acrescentarmos neste cálculo o preço dos ingredientes, é possível que Larissa tenha de vender? sei lá, 30 mil docinhos.

É improvável que venda tanto. Se conseguir, se transformará na maior doceira da história do Rio Grande do Sul, e aí seria melhor abrir uma confeitaria do que cursar Relações Internacionais, que é o mestrado para o qual ela foi aprovada.

Fico imaginando que algum empresário inteligente e generoso poderia fazer um contrato antecipado com a Larissa: ela ganha os US$ 5 mil e, terminado o mestrado, volta para trabalhar na empresa dele por algum tempo. Algo assim. Mas o ideal seria o Estado patrociná-la. Porque é óbvio que Larissa será uma excelente profissional. Ela está com apenas 22 anos de idade. Depois do curso, terá uma vida inteira para produzir. O lugar em que estiver radicada ganhará com seu trabalho.

Essa é a lógica dos americanos. Não é por acaso que eles financiam estrangeiros para estudar nos Estados Unidos. Eles importam cérebros. Eles querem os competentes por perto.

Quando cheguei a Boston, tive contato com quatro médicos de altíssimo nível no Hospital Dana-Farber: um libanês, um alemão, um italiano e um brasileiro. Americanos, só os enfermeiros. Por que isso? Porque, para eles, não importa de onde vem o profissional. Importa se o profissional é bom.

O bom profissional, além de prestar serviços de excelência, cria, inova, abre espaço para outros profissionais. Ele areja a economia da sociedade da qual faz parte.

Gasto em escolas públicas, como as que frequentou a Larissa, não é gasto: é investimento.

Incentivar futuros profissionais, como os americanos estão fazendo com Larissa, é incentivar o desenvolvimento da própria sociedade.

O Estado do Rio Grande do Sul devia patrocinar Larissa. Devia patrocinar outros talentos promissores. Enquanto isso não é feito, vá ao Gasômetro. O docinho custa só R$ 1.

DAVID COIMBRA

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