02 DE JULHO DE 2019
CARPINEJAR
Reencontro da turma
Eu temo turmas de escola que procuram se reunir décadas depois. Sempre imprevisíveis o conteúdo das reminiscências e o nível das indiscrições.
A comparação de quem era com quem desejava ser com quem se tornou será inevitável. Nem todos tiveram sucesso ou alcançaram reconhecimento. Haverá tipos desajustados, mal-amados, ranzinzas, ingratos, adoecidos, solitários. Os que não se casaram poderão se sentir encalhados. Os que abdicaram de filhos poderão se enxergar diminuídos na régua da prosperidade. Os que estão sem emprego poderão se esconder, desprovidos de assunto.
Dói só de virar o ano do calendário, nem dá para pensar em realizar a retrospectiva da adolescência.
Até que o passado bateu em minha porta. Ou, melhor, tocou no meu telefone.
Meus colegas de Ensino Médio do Colégio Aplicação decidiram comemorar os trinta anos de nossa formatura. Criou-se um grupo no WhatsApp. A princípio, tentei ser carinhoso e participar da primeira rodada de conversa. Mas foram cento e vinte mensagens em poucos minutos que precisaria tirar o dia para ler e entender o encadeamento dos diálogos.
Inventei de atalhar o material e espiar as fotografias que o povo alucinado mandava de nosso tempo.
Eu guardava a impressão de que tinha sido amado, idolatrado, querido. De que tinha sido um jovem enturmado, atuante, influente e com respeito geral. Devo ter contado essa versão otimista aos filhos.
Por pura curiosidade, fui me pesquisar nas dezenas de imagens. Queria conferir como realmente me vestia e agia, reconstituir a minha aparência tão diferente de como me encontro atualmente (usava cabelos compridos, por exemplo). Talvez salvar alguma cara e boca, para postar nas redes sociais.
Rolei o dedo, exaustivamente, e localizei apenas uma fotografia. Umazinha. Uma aparição quase relíquia.
De protagonista da memória virei coadjuvante em algumas horas e acordei de manhãzinha fazendo figuração.
Percebi que não era convidado para coisa nenhuma. Sofri um bullying retroativo. Um bullying atrasado trinta anos.
Havia viagens para o Rio de Janeiro, excursões por Santa Catarina, passeios pela serra gaúcha.
Nada de me localizar em qualquer uma das cenas antológicas partilhadas. Não estava ali rindo, cantando, gritando, pulando. Como se fosse de uma sala de aula diferente da deles.
Nem sabia que transcorria uma convivência paralela. Jurava que me chamavam para tudo. Os integrantes comentavam festas e bebedeiras incríveis, façanhas e romances loucos de que jamais obtive conhecimento. Não havia o que opinar. Eu me testemunhei penetra daquela correnteza de emoções nostálgicas. Um nerd deslocado e riscado da panelinha.
Num período em que não existia internet, ficava mais fácil guardar segredo. Bastava mudar de conversa no recreio quando eu me aproximava. Pena mesmo que aceitei entrar no grupo e me despedi da veterana ilusão.
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