sexta-feira, 2 de dezembro de 2016



02 de dezembro de 2016 | N° 18704 
CLÁUDIA LAITANO

Precisamos falar sobre aborto

Se, quando discutimos o tamanho do Estado, as leis de mercado ou a liberdade de expressão, os argumentos tendem a ser sobrecarregados de coração e fígado, imaginem quando o que está em jogo não é política ou economia, mas uma convicção íntima (o que é a vida e quando ela se inicia) tão refratária a argumentos alheios quanto o amor ou a fé. Por conta disso, poucos debates despertam reações tão apaixonadas quanto o do aborto. 

É assim no mundo todo, mas, no Brasil, o tema ferve naquele caldo de passionalidade que envolve quase todos os aspectos da nossa vida – para o bem e para o mal. Temos o cacoete de ver o outro não apenas como alguém que pensa diferente, mas como uma criatura monstruosa, amoral e insensível, que de preferência deveria ser aniquilada – para glória dos justos e honra dos inocentes.

Em muitos países, a Justiça tem sido chamada a arbitrar esse dissenso. Nos Estados Unidos, foi a Suprema Corte que decidiu, em 1973, que as leis contra o aborto violavam o direito constitucional à privacidade. A decisão obrigou que leis federais e estaduais que proscreviam ou restringiam o aborto fossem modificadas. Na França, um processo semelhante deu origem a um debate público que culminou, em 1975, na despenalização da interrupção da gravidez. Na Itália, o aborto também é legal desde os anos 70, mas os ginecologistas têm o direito de se recusar a realizar o procedimento.

No Brasil, podemos continuar tratando o aborto como um tema tabu que não deveria nem sequer ser discutido, já que, aparentemente, a maioria prefere que tudo permaneça como está. Ou podemos admitir que, para políticas públicas, as convicções íntimas da maioria nem sempre são o melhor legislador. 

A decisão da 1ª turma do Supremo Tribunal Federal de entender que a interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação não é crime foi importante e histórica porque recolocou o tema em debate. “O Estado não deve tomar partido nessa briga. Ele deve permitir que cada um viva a própria crença”, defende Luis Roberto Barroso, ministro do STF. E eu não poderia concordar mais com ele.

A opinião acerca da interrupção da gravidez é sujeita a convicções éticas, orientação religiosa e crenças culturais com relação a conceitos como vida e alma. É preciso respeitar e entender isso. Mas não menos importante, neste momento, é respeitar a minoria de brasileiras e brasileiros que luta para que o assunto não seja varrido para baixo do tapete mais uma vez.

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