sexta-feira, 8 de maio de 2009



08 de maio de 2009
N° 15963 - DAVID COIMBRA


Eu? Vivíparo?

Uma vez me chamaram de vivíparo. Fiquei chateado. Não que tenha algo contra os vivíparos, não tenho, até os acho simpáticos. Mas que mania é essa de dizer quem sou ou o que devo fazer?

Tem sido assim a vida toda. As pessoas gostam de classificar as outras pessoas. Sou um grande mamífero; certo. Bípede; tudo bem. Jornalista, filho da dona Diva, pai do Bernardo; até aí estamos no terreno das exatas.

Mas e quando vem um gaiato e pergunta se sou um machista ou um tarado ou um comunista ou um neoliberal ou qualquer outra coisa? Tudo muito subjetivo. Aí tenho que ficar me explicando. O que é inútil. Aquela pessoa já me rotulou, catalogou e arquivou na pasta, digamos, dos machistas. E de vez em quando ela vem e reclama:

– Você não pode ser machista, você é um formador de opinião.

Eu? Formador de opinião? Por Deus: nunca formei uma única opinião até hoje. Não que não tenha tentado. Minha mãe, por exemplo, às vezes tento formar a opinião dela. Não consigo. Ela não concorda comigo. Meus amigos, volta e meia esforço-me para dar uma formada nas opiniões deles. Em vão. Eles não mudam um milímetro de ideia. E os leitores. Jamais um leitor admitiu que formei a opinião dele. Não. O leitor vem e diz:

– Que legal aquilo que você escreveu. É exatamente o que eu penso!

Ou seja: ele concordou com a minha opinião porque é a opinião DELE. Ele só concorda com ele mesmo. Logo, não preciso dar explicação sobre o que sou ou deixo de ser. Não faz diferença.

Mesmo assim, admito que às vezes é interessante ouvir a opinião dos outros sobre quem sou. Sobretudo das autoridades.

Em quase todas as empresas nas quais trabalhei, tive de participar de cursos, e aí já estamos na categoria das coisas que as pessoas querem que eu faça. Cursos. Pois bem. Esses cursos, eles são muito interessantes. Uma vez me colocaram num curso de Excel. É um programa de computador aí. Não lembro exatamente como funciona, mas parece ser bastante útil para administradores e tal.

Também assisti a inúmeros cursos de gestão, e foi neles que ouvi opiniões de autoridades sobre a minha pessoa. Por autoridades refiro-me a psicólogos. É espantosa a capacidade dos psicólogos. Havia uma época em que os psicólogos lhe davam uma folha de papel e um lápis e mandavam que você desenhasse uma árvore. O truque era desenhar o chão sob a árvore. Se você não desenhasse o chão, seria reprovado. Todo mundo sabia disso do chão, você tinha de passar por um teste psicológico e as pessoas advertiam:

– Não esquece de desenhar o chão! Tem que desenhar o chão!

Desenhei muito chão em teste psicológico. Depois, imagino que os psicólogos tenham percebido que a história do chão estava manjada e mudaram tudo. Eles agora pegam você e alguns dos seus colegas e colocam todos em uma sala.

Depois, dividem a turma em grupos, como no colégio. Dão tarefas para cada grupo: montar uma casa de Lego, formar um tabuleiro de xadrez com algumas peças de madeira, caminhar de olhos fechados sobre uma linha pintada no chão.

Você passa 40 minutos fazendo essas coisas e depois disso os psicólogos dizem quem é você, se pode ou não ser chefe, se deve ser demitido ou promovido. Tudo com base na ciência. Impressionante.

Conheço algumas pessoas que foram largadas no meio do mato pelos professores de cursos de gestão, outros que foram obrigados a jogar rúgbi. Terminados os cursos, eles voltaram para suas empresas transformados em ótimos chefes. Ciência pura. Impressionante.

Mesmo assim, estou cansado de todas as pessoas que me dizem o que fazer ou o que sou. Não me importo nem se elas tiverem razão. Um vivíparo? Eu? Não venham me rotular. Não venham me dizer o que fazer. Falem por vocês mesmos.

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