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segunda-feira, 18 de maio de 2009
MOACYR SCLIAR
O carro comestível
No meio da noite, as crianças da aldeia, esfomeadas, tinham comido todo o chassi e o volante do veículo
Britânicos fazem carro de corrida com chassi de batata e movido a chocolate. O carro, batizado de "WorldFirst" (O mundo em primeiro lugar, em tradução livre), tem parte do chassi feito a partir de amido de batata, usa biocombustível produzido à base de restos de chocolate e um volante feito com cenouras e outros vegetais.
O carro é capaz de atingir uma velocidade de 200 km/h. "O WorldFirst descarta o mito de que a performance do carro é comprometida com o desenvolvimento de motores sustentáveis", afirma o coordenador do projeto, James Meredith. Folha Online
APRESENTADO ao público inglês, o "WorldFirst" fez enorme sucesso. A mídia falava numa vitória da ecologia; e, como disse um líder do movimento ambiental, a partir de agora seria possível esperar uma verdadeira revolução na indústria automobilística, sabidamente uma das mais poluidoras do planeta e das mais resistentes à mudança.
Efetuadas as primeiras demonstrações em grandes cidades europeias um dos coordenadores do projeto ponderou que agora seria necessário levar o carro para regiões menos desenvolvidas do planeta.
Afinal, pobreza e poluição não se excluem, e o "WorldFirst", por seus aspectos originais, poderia representar uma lição acerca de como preservar os recursos naturais sem abrir mão da tecnologia.
Foi planejada, portanto, uma viagem pelo continente africano, com demonstrações em vários países.
Um programa que duraria cerca de um mês, por causa das longas distâncias, mas que se iniciou muito bem; em todas as capitais em que foi exibido, o "WorldFirst" despertava assombro e admiração. E aí aconteceu o imprevisto.
Em geral, nessas viagens, o carro era transportado por via aérea. Mas no interior da África, em regiões sem aeroporto, era preciso recorrer a um grande caminhão para isso.
Uma noite, ao transitar por uma esburacada estrada, o veículo enguiçou. Muito preocupada, a equipe encarregada do "WorldFirst" tratou de procurar socorro.
A pouca distância dali havia uma aldeia, um lugar paupérrimo, situado no meio de uma zona desértica, na qual a fome era constante. Aos poucos os aldeões, figuras esqueléticas, foram se aproximando.
O intérprete explicou-lhes o que tinha acontecido, contou sobre o "WorldFirst", o carro feito de batata e legumes, e movido a chocolate; perguntou por um lugar em que pudessem guardá-lo.
Os habitantes da aldeia mostraram uma grande choça, vazia. Para lá foi levado o original veículo. Cansada, a equipe acomodou-se no próprio caminhão e ali dormiu.
De manhã, quando foram retirar o "WorldFirst" tiveram uma surpresa: o chassi e o volante tinham sumido por completo, o tanque de combustível estava vazio.
Perguntaram aos aldeões; ninguém soube ou quis informar. Quando estavam indo embora, levando o que sobrara do carro, uma mulher contou-lhes: no meio da noite, as crianças da aldeia, esfomeadas, tinham comido todo o chassi e o volante. Como sobremesa, haviam saboreado o chocolate do tanque. Nunca a nossa gente passou tão bem, disse, com um sorriso.
O mundo avança. Mas não em velocidade de carro de corrida.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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