quinta-feira, 28 de maio de 2009



28 de maio de 2009
N° 15983 - PAULO SANT’ANA


O nó górdio da questão

Nunca recebi talvez tantos e-mails como ando recebendo agora, com dois assuntos dominantes: o dilema daquela testemunha do crime na Rota do Sol e a libertação dos 15 ladrões de caminhões pelo juiz que alegou falta de vagas nos presídios.

E muitos e-mails de leitores admitem a falta de vagas nos presídios mas afirmam que mesmo assim os 15 ladrões tinham de ser recolhidos às prisões.

Confesso que não entendi esses leitores. Porque Galileu Galilei, Leonardo Da Vinci, Einstein, se revirariam no túmulo se soubessem que um dos princípios básicos da Física, o de que “dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço”, é violado escandalosamente no Presídio Central de Porto Alegre, onde três e meio corpos ocupam o mesmo espaço. Com vagas para somente 1,5 mil apenados, lá são colocados 4,9 mil presos. Pasmem!

Galileu Galilei se revira no túmulo.

E ainda querem muitos leitores que quatro, cinco, seis corpos venham a ocupar o mesmo espaço no Presídio Central!

Escrevi ontem aqui que o erro estrutural do problema carcerário brasileiro repousa em que os presídios não são administrados pelo Poder Judiciário.

Quando o Estado decreta a prisão de um indivíduo, o faz pelo único meio permitido: decisão do Poder Judiciário.

Aquele preso, portanto, como a própria lei o afirma, terá sua pena administrada pelo Poder Judiciário.

Como é então que no nosso regime o Poder Judiciário transfere a custódia desse preso ao Poder Executivo, que administra as cadeias?

O erro reside em que o poder que administra as penas não administra os presídios.

Redunda então que as verbas carcerárias vão para dentro de um cesto de centenas de verbas do orçamento do Poder Executivo, que não as pinça de lá nunca, porque construir e administrar presídios não dá votos.

Em suma, quem tem de construir e administrar presídios é o Poder Judiciário, ao qual cabe a tutela do preso, o poder que não precisa de votos dos eleitores.

Isso foi o que tentei explicar ontem aqui na coluna. Pois compareceu ontem ao programa Polêmica o desembargador Marco Antônio Scapini.

E, no início dos debates, ele disse o seguinte: “Eu poderia dispensar a minha participação neste debate dizendo que tudo o que se disse a respeito deveria ser resumido à certeira opinião do colunista Paulo Sant’Ana em Zero Hora de hoje”.

Fiquei honrado tanto com esta referência quanto com outra do desembargador Scapini: “Ao tempo em que eu e o Dr. Fernando Cabral éramos juízes da Vara de Execuções Criminais, nos reuníamos ambos para nos confortar com as opiniões do colunista Paulo Sant’Ana sobre política carcerária”.

Desculpem a imodéstia, mas deste assunto eu entendo. E muito.

O doutor Scapini, que foi juiz penal experimentado, relatou ontem o dilema que cerca os juízes quando vão apenar alguém: a Constituição brasileira afirma em seu artigo 5º que “ninguém pode ser submetido a tortura ou a condição degradante”.

E a condição dos presídios brasileiros atualmente é degradante.

Se algumas dessas pessoas que defendem o recolhimento dos presos aos presídios, mesmo em condições degradantes, visitassem os presídios, não mais o defenderiam.

Sairiam de lá enojadas, nauseadas, chocadas, traumatizadas, defendendo somente que se criassem mais vagas nos presídios.

Infelizmente, essa intelecção não é exercitada pela maioria das pessoas.

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