terça-feira, 26 de maio de 2009



26 de maio de 2009
N° 15981 - MOACYR SCLIAR


Estalos

Quando o crack é preparado, pelo aquecimento de uma mistura de cocaína e bicarbonato, produz-se um ruído característico, um estalo – o crack. O que nos remete a um outro estalo, mais antigo e menos conhecido, associado a uma das melhores cabeças já surgidas no Brasil.

Estamos falando no padre Antonio Vieira, que, notável orador, já no século 17 lutava pela modernização e pela moralização do país. Brilhante, Vieira nem sempre foi. No colégio era um aluno medíocre, pouco inteligente; um dia, porém, sentiu o que classificou como um “estalo” na cabeça, depois do que passou a entender as coisas com facilidade.

Um estalo feliz, portanto, e bem diferente do estalo do crack, que anuncia péssimas notícias. Vieira libertou-se das amarras que tolhiam seu pensamento; o usuário do crack está se escravizando, e muitas vezes para sempre. Estamos diante de uma droga poderosa, capaz de causar uma dependência muito difícil de ser vencida.

Tal dependência começa com a ilusão proporcionada por um rápido efeito euforizante. A pessoa se sente alerta, vigorosa, confiante em si própria. Isto, além do custo relativamente baixo, explica por que o crack é tão procurado. Há mais, porém.

O crack corresponde a aspectos doentios de nossa sociedade. No passado, a droga preferida pela classe média era o ópio, que, fumado, causava sonolência (tanto que era usado por pessoas já deitadas).

Mas, numa cultura ferozmente competitiva, a sonolência não está com nada. O crack é mais apropriado para quem precisa estar pronto para agir – pronto, inclusive, para agredir e assaltar pessoas. Daí sua rápida disseminação. Segundo o Cebrid, Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, entre 2001 e 2005 o número de pessoas iniciadas no crack simplesmente dobrou.

Má notícia. Porque os efeitos da droga são devastadores: problemas respiratórios, problemas circulatórios (incluindo parada cardíaca), problemas neurológicos, como convulsões e hemorragias cerebrais, problemas psiquiátricos: paranóia, depressão severa e ataques de pânico.

E depois temos os crack babies: bebês de usuárias de crack podem ter retardo no crescimento intrauterino, tremores, irritabilidade, rigidez muscular. Por último, mas não menos preocupante, existe uma relação crack e violência. Os usuários tornam-se agressivos, e, no desespero gerado pela dependência, agridem seus pais, roubam, matam; meninas se prostituem.

E dificilmente buscarão tratamento, de modo que nesta situação, como em muitas outras, é melhor prevenir do que remediar.

E isto se faz mediante uma adequada relação pais-filhos, mediante informação, mediante um estilo de vida sadio. Dá para vencer o crack. Se o padre Antonio Vieira estivesse aqui , imediatamente se engajaria nesta campanha, não tenham dúvida.

Nesta semana, a sofrida e gloriosa Polônia está em evidência aqui no RS, com o filme Katyn, baseado num sombrio episódio (o massacre de milhares de oficiais poloneses pelos soviéticos, na II Guerra) e com a exposição Mil Anos do Judaísmo na Polônia, no Museu da UFRGS (campus da Redenção).

A Polônia descobriu, à custa de muito sofrimento, que o totalitarismo não leva a nada. Coisa da qual o ditador da Coreia do Norte, com sua bomba nuclear e com a miséria de seu pobre país, ainda não se deu conta.

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