sexta-feira, 29 de maio de 2009



29 de maio de 2009
N° 15984 - DAVID COIMBRA


Drama em Caracas

O grande drama urbano da humanidade no século 21 se desenrola com rara gravidade aqui, nas ruas de Caracas.

Não é da pobreza que falo. É do carro.

Esta é uma cidade de avenidas largas, recobertas por camadas de asfalto negro lisas como tábuas de bater bife. São ruas arborizadas, de calçadas amplas, margeadas por prédios de requintado gosto arquitetônico, alguns modernos, encimados por luminosas placas de propaganda que lembram Tóquio e Pequim, outros clássicos no estilo espanhol dos colonizadores.

O clima eternamente abafado dessas alturas caribenhas é amenizado por uma brisa fresca que desce os 2.600 metros da Montanha Ávila. Uma cidade do porte do Rio de Janeiro, mas com menos pontos de estrangulamento, porque os morros não ficam em meio à área urbana, ficam em torno – Caracas se situa no centro de um vale.

Cresceu como cresceram as cidades espanholas, a partir de uma praça maior, no caso, a Praça Bolívar. Da Bolívar, as ruas da capital se espraiam como os raios do sol.

Em tese, seria fácil organizá-la, seria um lugar aprazível de se viver. Isso, claro, desconsiderando-se as favelas embutidas nos morros do lado oeste, precárias como quaisquer favelas do planeta. O problema de Caracas, mesmo da Caracas rica, são os carros. Aqui há carros demais.

De manhã bem cedo, os carros já estão nas ruas e delas não se retiram até que o sol se ponha. Carros, carros carros, só o que se avista são carros arrastando-se entre os grandes edifícios. O trânsito é irritantemente vagaroso.

Percorre-se um metro, depois mais um metro, e mais um, e o carro para, e avança mais dois metros, mais dois, e para de novo. Qualquer deslocamento, por curto que seja, leva no mínimo vinte minutos. Se a viagem for um pouco mais longa, de uma zona a outra da cidade, pode-se ficar detido uma, duas, até três horas no trânsito.

Entre os carros, aproveitando-se da lentidão do tráfego, circulam comerciantes de ocasião. Vendem de tudo: pipoca, arepa e até cafezinho. Os vendedores de café carregam quatro ou cinco térmicas em um suporte parecido com uma caixa de engraxate e, nos engarrafamentos, oferecem copinhos de plástico aos motoristas. Que podem, tranquilamente, pagar, beber e pedir outro antes que o carro rode outra vez.

Carros, carros, carros. Os motoristas dirigem com a mão na buzina, em zigue-zague, trocando de pista sem dar sinal, desviando de motoqueiros que enxameiam pela esquerda, pela direita, na frente, atrás. Carros. Eles enfeiam a bela cidade que é Caracas. Eles a tornam dura e nervosa.

A gasolina custa 10 centavos de dólar. Às vezes menos. Com R$ 2 pode-se encher um tanque. Mesmo que o preço dos carros não seja barato (um popular sai por US$ 10 mil), os caraquenhos estão comprando a cada dia mais carros. Até porque o transporte público é uma tragédia. E a cidade não anda. A cidade um dia vai parar.

Eis o grande dilema do século nas cidades do Ocidente e do Oriente. O mundo tornou-se dependente dos carros, inclusive economicamente. Mas o mundo não suporta mais carros.

As cidades estão cheias deles, a natureza já não aguenta mais seus excrementos, em pouco tempo metrópoles como Caracas ficarão presas para sempre em engarrafamentos monstros. Como o planeta haverá de se libertar da miserável dependência dos carros?

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