terça-feira, 19 de maio de 2009



19 de maio de 2009
N° 15974 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


O maior dos mistérios

De todos os mistérios da Santa Madre, o que mais me impressiona não é o da Trindade, ao qual legiões de teólogos vêm dedicando, pelos séculos dos séculos, oceanos de tinta impressa. O que volta e meia me rouba o sono é a impossível harmonia entre a infinita bondade de Deus e seu implacável senso de justiça.

O teorema parece simples no enunciado: se Deus é bom, seu perdão deve ser completo, universal e irretratável, sem a menor discriminação ao maior dos transgressores ou ao pior dos celerados. Mas se é também justo, premia os virtuosos com as delícias ininterruptas do paraíso e castiga os pecadores com os tormentos perenes do fundo dos infernos.

Somerset Maugham, um velho bruxo inglês, cujos livros só agora começam a ser revalorizados, escreveu um conto magistral sobre o tema, mas a conclusão a que chegou, e que não pretendo entregar aqui, me soa pouquíssimo canônica e nada convincente.

“Ninguém pode evitar o mal – observou ele. – Ora, se Deus não pode evitar o mal, não é onipotente e, se pode e não o evita, não é supremamente bom.”

Sem a menor intenção de plagiar o autor de Servidão Humana, devo confessar, no entanto, que partilho inteiramente de seu espanto ante a estranha dualidade do Absoluto.

Como pôde o Criador de todos os seres, animais e coisas hospedados neste inquieto planeta azul punir alguns com a miséria, a doença, a fome, a dor e a desesperança e recompensar outros com riquezas e prazeres, mais uma vacina contra a culpa, o medo e a insegurança?

Mais grave: como ousou garantir a alguns a eterna bem-aventurança e supliciar os demais com sofrimentos atrozes, independentemente do time em que foram aleatoriamente escalados?

Eu, se um dia me coroassem Deus, ofício para o qual, já aviso, sou desprovido de qualquer remota vocação, não criaria a Terra.

Mas se me assaltasse esta última e insana ideia, resolveria com meus botões (por incerta razão, que em razão não se contém, imagino sempre o Altíssimo trajando uma batina roxa, tipo a dos arcebispos) que não habitaríamos nenhum vale de lágrimas. Pois que absurda pena nos cabe se Adão comeu a maçã e depois ainda traçou Eva?

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