sábado, 30 de maio de 2009



30 de maio de 2009
N° 15985 - CLÁUDIA LAITANO


Perigo real e imediato

“As relações sociais são inteiramente interligadas às forças produtivas. Adquirindo novas forças produtivas, os homens modificam o seu modo de produção, a maneira de ganhar a vida, modificam todas as relações sociais.”

Com essa frase, escrita há mais de 150 anos, Marx sintetiza a tese central do materialismo histórico: o destino das pessoas é determinado, em grande parte, por fatos econômicos. Movida por outros ideais e em ritmo de musical da Broadway, uma canção celebrizada por Liza Minnelli daria mais ou menos o mesmo recado: “Money makes the world go round”.

E se o dinheiro faz girar o mundo, seguir sua trilha ajuda a entender algumas coisas. (Um professor meu de jornalismo, um velhinho espanhol com mais anos de imprensa do que eu tenho de vida, costumava ensinar aos jovens repórteres que, cobrindo qualquer assunto, a primeira pergunta a se fazer é sempre a mesma: quem (e como) está lucrando com isso.)

Por trás da explosão do crack no Brasil nos últimos 10 anos, a princípio na periferia e mais recentemente também na classe média urbana e em cidades do Interior, existe um fato econômico. Maconha e cocaína dão dinheiro, mas não tão rapidamente quanto o crack.

Como a pedra tem um poder de vício muito maior do que a maconha ou a cocaína, quem compra e consome não volta para casa para repetir a dose na semana seguinte: quem experimenta sempre vai dar um jeito de continuar comprando, até o corpo (e o bolso) chegarem ao limite – e ainda depois.

Em média, um papelote de cocaína custa cerca de R$ 20, enquanto uma pedra de crack sai por R$ 5. Um usuário de cocaína pode consumir em uma noite dois ou três papelotes, mas muitos dependentes do crack relatam fazer uso médio de 15 a 20 pedras por dia.

É só fazer as contas. A estrutura para comércio, transporte e armazenamento também é mais simples, e a base consumidora não se restringe a uma única classe social – do desembargador ao menino de rua, todo mundo é cliente em potencial. É tão fácil vender crack quanto DVD de filme pirata.

Do lado de quem consome, a engrenagem econômica também precisa funcionar. Depois de gastar o que tem e o que consegue tirar da família, a alternativa dos usuários são a criminalidade e a prostituição.

É aqui que quem nunca experimentou crack também se torna uma vítima em potencial da droga: toda vez que alguém é assaltado ou morto pelos R$ 5 que vão virar fumaça na próxima esquina, o crack faz mais uma vítima que não entra para as estatísticas oficiais da droga – que já são suficientemente assustadoras, dando ao problema ares de epidemia.

Esse mercado só não é perfeito do ponto de vista do traficante porque o consumidor de crack se torna uma vítima tão vulnerável à violência e a decrepitude física que ninguém sobrevive muito tempo ao vício.

É preciso, portanto, fazer novos clientes, espalhar o desejo de experimentar, “alargar a base de demanda” – como em qualquer negócio que quer se manter lucrativo.

Se deixarmos esse empreendimento livre para se expandir, ele vai continuar crescendo – como qualquer mercado onde há oferta e demanda. É por isso que a campanha “Crack, Nem Pensar”, lançada esta semana em todos os veículos da RBS, é tão oportuna.

Está mais do que na hora de encarar o tamanho do problema. A epidemia do crack é uma ameaça real e imediata – e pode nos apanhar, distraídos, na esquina da nossa casa. Crack, é hora de pensar.

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