quinta-feira, 7 de maio de 2009


NINA HORTA

A vingança da formiga

Fiz piqueniques nos lugares mais estranhos, inclusive no capô do carro, cheio de potinhos de gelatina verde

SABEM ESSES intercâmbios, quando os filhos dos outros vêm para a sua casa, e você manda os seus, que nem atravessar a rua podiam, para o outro lado do mundo? Minha filha estreou a ida para Illinois, numa cidadezinha mínima, que nem no mapa aparecia, e foi visitar a família Neher.

Eram boa gente, fazendeiros, presbiterianos, trabalhadores até a medula, e a mãe cozinhava como ninguém. A filha voltou gostando de lebre e quetais, tudo colhido quase na hora ou em compota, pois a mãe passava o verão colocando o que via pela frente em potes de vidro.

Um dia também fui lá visitar. Eu, rata de livros, cheguei na hora da colheita da abobrinha. Além de não gostar de abobrinhas, descobri que colhê-las dá uma dor terminal na coluna. Até o pai se queixou um dia de sua formiga eficiente.

"Por amor de Deus, será que não vai chegar o dia de comermos uma boa salada de tomates frescos, quando estão no auge? Vai tudo para os vidros..." Vi muito parque, fiz piqueniques nos lugares mais estranhos, inclusive no capô do carro, forrado de toalha xadrez, cheio de potinhos de gelatina verde e doughnuts coloridos e brownies.

Salsichas em pequenas churrasqueiras, mas eram mesmo especialistas em cafés da manhã, com ovos e bacon e torradas francesas, cheirosíssimas, e meia banana, cortada no sentido do comprimento. Aprendi a "preserve" e, por um certo tempo, também lidei com potes, suas borrachas, o ploct do vácuo, mas depois desisti. Não é lá coisa de trópicos.

Quando os pais vieram para cá, passaram pela Bahia, onde foram cevados naquelas casas grandes com 15 pratos principais por dia. Aqui em casa e em Paraty, o ritual da comida deu certo, o que não deu certo foram os passeios.

Religiosos demais, foram ao Jockey e olhavam para o lado oposto ao das corridas, pois era jogo. E Paraty nos saudou com golfinhos mas também com um bando de garotas chegando à praia, em jet-skis, de topless.

Pois minha filha americana, ao aprender português, mudou o curso da vida, da carreira e hoje ensina português a americanos e inglês a brasileiros e portugueses. Agora está em Brasília e resolveu nos visitar com o marido e duas filhas.

Distraí. Quando vi, já era hora, véspera de feriado, sem cozinheira. E eu sabia como eram bons de boca e como eu fora cigarra, jamais preservando a mais comezinha das comidas. Foi o dia da vingança da formiga.

O bufê tinha festas. Consegui encomendar um filé mignon e uma carne assada, fáceis de fazer. Mas há um problema com bufês, uma deformação profissional. Quando se pede uma carne, vem um boi, acompanhado de um balde de molho.

Fazer o quê? De repente, me lembrei da Aninha Soares, do Mesa III. Liguei, meio sem esperança, 3672-2130, atendeu uma mocinha gulosa. "Não, não se preocupe. Estão descendo coisas fresquinhas, quentes, acabadas de fazer."

Descendo de onde? Do céu? Pois é. Galetos assados, nhoque fofinho, as empadinhas não estavam prontas, mas a senhora não quer uma sobremesa? Temos tiramisù e strudel de frutas vermelhas, e eu só no sim, que ótima ideia.

Foi me dando aquela paz de nutriz, quem tem como alimentar a prole. E, depois da compra, o telefone ainda tocou avisando que as empadas estavam prontas, e vamos às empadas.

Vocês podem imaginar a comilança, ainda entremeada por almoços em restaurantes, passeios a lugares a serem reconhecidos, pastéis de feira, brigadeiros, e o fornecedor do bufê ainda entregou em casa, no dia do feriado, camarões fresquíssimos, descascados e limpos para serem feitos na hora.

Comer também cansa. Tanto em Brasília quanto aqui vamos hibernar, um grande regime restaurador.

ninahorta@uol.com.br

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