sexta-feira, 29 de maio de 2009



29 de maio de 2009
N° 15984 - PAULO SANT’ANA | CLÁUDIO BRITO (interino)


Lixo demolidor

Há 10 anos, nos morros do Rio, travou-se uma guerra inesperada. Traficantes contra traficantes. Na esteira, a chacina de muitos jovens, soldados do narcotráfico, sentinelas das vielas e gerentes de algumas “bocas”.

O motivo era inexplicável para quem visse aquele mundo apenas à distância. Matavam-se porque tinha gente vendendo droga demais. Não era uma droga qualquer, das conhecidas e mais procuradas.

Era uma sujeira que, segundo argumentavam alguns chefões que manipulavam a guerrilha, “estragaria o mercado”. De um poder avassalador para causar dependência, surgia com fartura e facilidade. A preços irrisórios e, se fosse possível dizer assim, aviltantes.

Então, a guerra. O comércio carioca de entorpecentes não queria reproduzir a periferia de São Paulo, já dominada pela novidade.

As favelas sabem tudo dessa droga desde então. Em 10 anos, perde-se a conta dos que morreram por causa do vício maldito, diretamente ou assassinado em algum canto de rua num ajuste de contas.

Cinco anos depois, na entrada de Porto Alegre, à margem de uma rodovia, um automóvel queimou até tornar irreconhecível o cadáver sentado em seu banco dianteiro. Poucos dias de investigação foram suficientes para definir que se tratava de uma execução no submundo do tráfico de entorpecentes. Poucos perceberam, no entanto, que havia alguma coisa em comum com crimes noticiados no eixo Rio-São Paulo. A motivação era a mesma.

A disseminação da nova porcaria tinha uma reação na intimidade do crime organizado. Quem ganhava dinheiro com maconha e cocaína pretendia preservar seu quinhão sem permitir que a devastação da novidade invadisse a área.

Não, aquele lixo brabo jamais. Li e ouvi depoimentos estranhos: “Tá louco, nego. Isso é doideira geral, nessa onda não vou não, não mexo com isso”.

Quem mexesse tomava tiro. O pavor foi geral. Dentro e fora dos espaços dominados pelos traficantes. Os últimos a conhecer e compreender o que estava ocorrendo foram os que deveriam cuidar da prevenção.

Nossos órgãos públicos e a rede social que atua na área da drogadição e seus tratamentos, médicos e jurídicos. Não que quisessem que fosse assim, mas foram todos vencidos pela rapidez com que o mal se espalhou.

Ainda é tempo, no entanto.

Ainda temos o que fazer. E vamos fazer. Todos. Sociedade, governos, operadores do direito e da saúde. Com um ingrediente principal, o amor. Amor ao próximo, amor-próprio, amor familiar. Amor, enfim.

Depois de capacitados da indispensabilidade do amor, o conhecimento. Vamos saber muito bem sabido que droga é essa. Fuma-se, aspira-se, injeta-se, afinal, como é que esse veneno invade o corpo e a alma, destruindo a ambos?

Como é que ele é alcançado às crianças que já se perderam engolfadas pela fumaça nojenta e bandida? Quanto custa, quem vende, quem prepara? Quais são os primeiros sintomas de quem já experimentou?

Como salvar essa gente? Talvez seja impossível libertar quem se deixou levar. Dramática realidade. A destruição é irreversível. Usou uma vez? Danou-se. Então, nada a fazer? Tudo a fazer. Tratar e devolver alguma qualidade de vida a quem se envenenou, cuidar, avisar, ensinar e impedir que seja tocado quem ainda não escorregou.

Todas as drogas são horríveis. Mesmo as lícitas. Bebida alcoólica e cigarro de tabaco. O que dizer da maconha, cocaína, anfetaminas, as voláteis e as sintéticas. Tudo é droga. Tudo é porcaria. Nada foi tão devastador, no entanto, quanto a droga que assustou até os traficantes dos morros do Rio.

E que já destrói mais de 50 mil gaúchos. E impedir que esse número se multiplique é nossa missão, dever de todos nós. Temos que retomar valores meio escondidos, como os da família, por exemplo. A ausência da figura paterna está na roda de causas da drogadição irremediável. Isso tem que ser corrigido.

Pelo comportamento dos pais pouco atentos, pela substituição dos que se ausentaram. É preciso sacudir, é preciso conscientizar, é preciso dizer não às drogas, mas, fundamentalmente, é indispensável afastar de todos o cálice horrendo desses dias.

O cachimbo mortífero onde se queima o lixo demolidor. Temos que parar a corrida assassina do crack. Nele, nem pensar!

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