sábado, 12 de janeiro de 2008



Eu tingo, sim...

Um escritor inglês virou caçador de palavras curiosas, como tingo, em rapanui. Quer saber o que significa?

gisela anauate

Sabe aquela sensação agradável de estar se divertindo e dando risada na companhia de bons amigos? Aquele momento que certamente ficará na memória? Os holandeses conseguem defini-lo em uma única palavra: gezellig. Esse foi um dos achados do escritor inglês Adam Jacot de Boinod.

Seu interesse por línguas estrangeiras surgiu quando era pesquisador de um programa de perguntas e respostas da rede britânica BBC. Consultando um dicionário albanês, deparou com nada menos que 27 verbetes para bigode e outros 27 para sobrancelhas.

A partir desse momento, De Boinod se tornou um colecionador de curiosidades lingüísticas. Juntou tantas que resolveu escrever o livro Tingo: o Irresistível Almanaque das Palavras Que a Gente não Tem, publicado no Brasil pela Conrad.

Em 2007, lançou mais um na Inglaterra, pela editora Penguin: Toujours Tingo (Ainda Tingo, em francês), com 319 páginas de palavras e expressões que dão muitas pistas sobre quem é o povo que está por trás da língua.

Algumas das palavras levantadas pelo autor mostram fenômenos estranhíssimos para nossa cultura. Lelufa é o ciúme entre duas esposas do mesmo homem, em setsuana, língua falada em Botsuana.

Outros vocábulos falam sobre coisas bem familiares, ainda que não tenhamos palavras para elas. Quem nunca se encantou com um wom-ba – o sorriso de uma criança ao dormir, em bakweri, língua de Camarões?

Tingo está na onda de outros best-sellers de cultura inútil, uma febre no Reino Unido. Um exemplo é o sucesso Do Ants Have Arseholes?

(algo como As Formigas Têm Ânus?), de Jon Butler e Bruno Vincent, primeiro lugar nas vendas de Natal. Esses títulos são chamados pelos britânicos de “loo books”, livros para serem lidos no banheiro.

Para figurar ao lado dos vasos sanitários ingleses, no entanto, De Boinod pesquisou 280 línguas, lendo pilhas e pilhas de dicionários.

Em um deles, encontrou a palavra que deu título a seus livros: tingo, em rapanui, idioma da Ilha de Páscoa, é pegar muitas coisas emprestadas da casa de um amigo, até que não sobre nada.

Tingo é uma obra tão interessante que seus leitores podem incorrer no hinmekuru, do japonês “virar a página violentamente”. Afinal, a palavra seguinte pode ser ainda mais engraçada.

Vexame na festa

Tartle, no inglês da Escócia, é um verbo usado para aquele momento constrangedor em que você vai apresentar alguém e surge um branco. “Esse aqui é o... hum... peraí que vou pegar uma bebida.”

A única saída é mesmo encher a cara. Falando em álcool, rangi-changi é nepalês para “bêbado”. Literalmente, quer dizer “ligeiramente multicolorido”.

Na Rússia, quando você chega tarde a uma festa e quer atingir rapidamente esse estágio policromático, entra em cena o daganyat’sya, expressão que significa “beber para ficar tão bêbado quanto os outros”.

O corpo feminino

Os italianos são loucos por mulher. Celulite? Ninguém nota. Já buço pode até ser bonito. Baffona é uma bela mulher bigoduda, em italiano. Os japoneses são cheios de expressões para elogiar – e sobretudo detonar – o físico feminino.

Daburu bikkuri é usado pelos atendentes de lojas para designar a mulher que parece tão bela de longe, que até provoca espanto. No entanto, ao se aproximar do balcão, a moça se revela um tribufu e acaba provocando um susto no pobre vendedor.

A expressão literal quer dizer “choque duplo”. Já os noruegueses preferem metáforas marítimas: sjotstyggé uma pessoa tão feia que, se for ao litoral, afasta a maré.

Cantando um chorinho

Chantepleurer é cantar e chorar ao mesmo tempo, em francês. Depois de uma sessão de cantoria-choradeira, à Edith Piaf, as conseqüências são visíveis.

Sekgamatha, em setsuana, de Botsuana, é a sujeira que fica na cara e nos olhos depois de derramarmos muitas lágrimas. Quem canta também pode incorrer no yaourt.

A palavra francesa, que quer dizer iogurte, é usada quando o cantor não sabe inglês e fica só enrolando na letra. “Embromation”, em resumo. Seguindo essa lógica, poderíamos chamar karaokê de coalhada.

Homens e lobos

Okuri-okami, em japonês, é um homem que finge ser cuidadoso, oferecendo-se para encontrar uma garota em casa, quando na verdade quer molestá-la assim que entrar pela porta. Literalmente, a expressão quer dizer “lobo te-vejo-em-casa”.

Mas, se a garota realmente quiser dar uma de Chapeuzinho Vermelho, melhor não levar a vovozinha ao encontro com o lobo. Afinal, ninguém gosta de tocar el violin, que, no espanhol dos chilenos, é o mesmo que “segurar vela”, no português do Brasil.
Oi, tudo bem?

Quando pergunta “tudo bem” a um colega, você não espera um relato preciso de suas alegrias e angústias, certo? Errado. Para muitos, o conceito de pergunta retórica não é tão claro.

É por isso que os russos usam a expressão nudnyi para chatos que desfiam uma ladainha quando tudo o que você quer é ouvir um “tudo bem, obrigado”. E tem gente que faz pior que achar que você é psicólogo de plantão.

Em tibetano, gadrii nombor shulen jongu é, literalmente, “dar uma resposta verde a uma pergunta azul”. Serve para vários políticos brasileiros, especialistas em fugir de perguntas capciosas dando respostas nada a ver.

O estranho mundo do escritório

Há várias maneiras de se gabar de seu status. Spesenritter, em alemão, é alguém que se mostra para os outros pagando a conta com o dinheiro da empresa.

Os gurus de auto-ajuda para executivos não devem aprovar essa arrogância. Mas eles podem concordar com o digdig – em manobo, idioma falado nas Filipinas, significa elogiar uma pessoa pelos atributos que ela não tem, de forma a encorajá-la a desenvolver essas qualidades.

Às vezes, no entanto, nem um líder competente consegue estimular alguns funcionários. Bulat, na língua falada em Maguindanao, também nas Filipinas, quer dizer “fobia de certos empregos”. Será que não existe uma palavra para “fobia de todos os empregos”?

A estupidez humana

Gugbe janjou, em tibetano, é uma pessoa estúpida tentando ser esperta. Tarefa difícil. Spruchkasper, em alemão, é um bobo cheio de frases sábias.

Aquele cara arrogante que cita Nietzsche e Hemingway sem nunca tê-los lido e sem entender a própria citação que está fazendo.

alta de humor inteligente também é erro grave em vários idiomas. Jayus, em indonésio, é alguém que tenta fazer uma piada tão sem graça que você acaba rindo de qualquer jeito.

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