sexta-feira, 4 de janeiro de 2008


CLÓVIS ROSSI

Juros e medo

SÃO PAULO - A verdadeira cláusula pétrea da legislação brasileira não está inscrita em nenhuma lei, em nenhum código, a rigor em nenhum lugar.

Trata-se da impossibilidade real, embora não escrita, de mexer no superávit fiscal primário (receitas menos despesas, fora pagamento de juros).

É a conclusão inevitável quando se verifica que o governo preferiu aumentar impostos, apesar de o presidente ter dito o contrário, em vez de pelo menos discutir a hipótese de reduzir o superávit.

Para quem não lembra: o "lucro" do governo se destina ao sagrado pagamento dos juros devidos aos portadores de títulos públicos, que compõem uma superelite, aquela camada que o lulopetismo ama execrar da boca para fora, mas adora forrar de dinheiro.

Não é só o governo que deixou de lado essa possibilidade. Não li nem ouvi ninguém, desde que caiu a CPMF, tocar no assunto, na oposição, na academia, no jornalismo, onde seja. Se alguém tocou, minhas desculpas antecipadas.

Note bem que reduzir o superávit não é igual a dar o calote, antes que os fundamentalistas de mercado saquem do coldre essa suspeita.

É uma hipótese lógica: a derrubada da CPMF provocou redução da arrecadação. Logo, reduzir a parte da arrecadação que se destina a pagar os juros seria natural, certo?

Errado, em um mundo em que a pátria financeira tem poderes extraordinários e em um país em que o vice-presidente diz que o presidente tem medo dela -ou, ao menos, de seus arautos no colunismo econômico.

Note também que diminuir o superávit não significa eliminá-lo.

Um governo que manteve religiosamente o superávit elevado deveria ter crédito para cortá-lo, numa necessidade, mesmo à custa de não conseguir continuar reduzindo a proporção dívida/PIB. Mas, quem tem medo uma vez, tem medo o resto da vida.

crossi@uol.com.br

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