Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
quinta-feira, 10 de janeiro de 2008
AS PEÚGAS DO MEU PAI
Eu sempre achei ridículo os franceses e os norte-americanos falarem em língua brasileira. Ainda se fosse língua à brasileira ou língua de brasileiro.
Somos quase tão bons em lingüística aplicada quanto em dar com a língua nos dentes. Temos jeito para a informação. Ou para a fofoca. Mas os editores franceses e americanos, por exemplo, referem-se a traduções para a língua brasileira. Dou a língua à palmatória.
Mudei de idéia depois de ler 'Eu Hei-de Amar uma Pedra', romance do português Lobo Antunes.
A história, contada em rápidas 558 páginas, é simples: um homem, já velho, relembra o passado olhando fotografias. Em Portugal existem três torcidas fanáticas: a do Benfica, a de José Saramago e a de Lobo Antunes.
Eu faço parte da última. Saramago é o velho comunista contador de histórias prolixas e com fundo moral. Lobo Antunes é o destruidor dos mitos da colonização portuguesa na África. Sempre fico com os destruidores.
Aceito, portanto, a hipótese delirante de que brasileiros e portugueses não falam, pois, exatamente a mesma língua. É uma mera hipótese sem arroubos científicos. Falta a comprovação.
Nem me refiro à letra 'c' no meio de palavras que mais parecem uma estrada com pedágio ou com buracos. Nem a termos como 'aluguer', o que torna alguns dos nossos falantes humildes, estigmatizados pelos 'de cima', bons usuários da língua-mãe.
A gramática é uma convenção. O futuro ainda dará razão ao nosso presidente. Prova disso é que os personagens de Lobo Antunes perguntam assim: 'Porquê?'. Junto e com acento. Falo de construções frasais e de vocabulário.
Sempre se pode recorrer ao dicionário. Às vezes, contudo, até o amansa-burro fica em silêncio ou é vitimado por um choque cultural. No caso do inglês é diferente. Existem apenas duas maneiras de falar inglês: com uma batata quente na boca ou com o sotaque do Texas.
Alguns exemplos tirados da prosa barroca de Lobo Antunes (edição brasileira da Alfaguara, Objetiva) para que possamos 'reflectir' juntos: 'Caiu, vinha a planar direito ao Cabo Ruivo espreitando alforrecas e nisso a carlinga a arder'.
Fiquei preocupado. Pobre carlinga! As alforrecas arrancaram-me uma gargalhada. Justo num momento triste da narrativa. Sou um ignorante. Admito. De qualquer maneira, há sempre um leitor atento para me lembrar disso.
Respondo que sou socrático: só sei que nada sei. Já é muito. Embatuquei mesmo foi aqui: '... adivinhava-se a chuva pela exasperação das gaivotas, lamentos que procuravam navios e encontravam gasóleo, tinha a certeza que eram as noivas da montra a soluçarem nos pântanos de caniços ou empoleiradas nos algerozes catando algas das asas'. É lindo. E totalmente esotérico.
Tem também esta passagem desconcertante e bela: 'Quando não me lembro de rir, lembro-me que sentia medo dos gorilas e das jibóias pintadas, dos crocitos das noivas a invadirem a montra adejando grinaldas...'.
Descontadas as marcas do estilo, sobram dúvidas primárias: o que são mesmo 'crocitos das noivas' e 'montras'? Abandonei a leitura na página 273 quando um personagem diz: 'Calcem as peúgas do meu pai por favor'. Voltarei a ler Lobo Antunes em francês.
Eu conseguia entender tudo. Certamente por ser mal traduzido. Tem autores que só se tornam legíveis em língua estrangeira.
Tomara que um dia saia uma tradução brasileira de Lobo Antunes. É um autor que merece ser compreendido por nós. São os aloendros.
juremir@correiodopovo.com.br
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