terça-feira, 2 de abril de 2024


02 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

Cantada do adeus

Os recursos de charme e de carisma que você usou na hora de conquistar alguém terão que ser adotados em dobro para se separar. A separação é sedução. Talvez seja o momento de maior paciência, calma e entrega da sua vida.

Se você conversou longamente para namorar, com sucessivos encontros românticos, disposto a firmar intimidade, precisará recuperar o fôlego para a empreitada espinhosa que é cortar os laços. Sair sozinho pela porta cansa mais do que merecer entrar a dois no quarto.

Serão jantares sem fome, serão bares sem drinques, serão pausas tensas e tediosas. Terá que se justificar gradualmente, para a outra parte não se sentir ofendida, magoada, descartada. Terá que pensar demoradamente cada palavra, cada expressão facial, para não pôr tudo a perder com antigas discussões e desentendimentos. É um hercúleo desafio de agradar e não faltar com a verdade, de confortar e ser sincero.

Cabe a ambos se ampararem diante do fim dos sonhos. Quem pede a ruptura e quem se vê obrigado a acatá-la se encontram no mesmo patamar de frustração. É o que chamo de cantada do adeus, para conservar pelo menos a amizade depois de muito tempo lado a lado.

Ninguém se divorcia num passe de mágica, com desprezo ou com indiferença. É uma construção da destruição. Quem já desmanchou uma casa para aproveitar um terreno sabe que dá tanto trabalho quanto levantar uma residência.

Exige um período de remoção dos alicerces, de retirada das vigas, de preservação das lembranças felizes, de aceitação da distância, de transformação dos projetos coletivos em propósitos individuais.

Requer que se desfaça a simbiose da cama, do sofá, da mesa, dos passeios, das viagens, já que o outro era a extensão e o complemento dos seus dias. Requer que se demonstre gratidão pelos ombros e colos nos pesares e turbulências.

É necessário se desligar pouco a pouco. Explicar aquilo que foi modificado nos sentimentos e nas emoções e que não permite seguir junto. Na maior parte das vezes, a dissolução de um casamento não advém do fato de não gostar mais do seu par, e sim de não gostar mais de si naquela convivência. Novas demandas levam o amor embora.

Se o relacionamento não foi abusivo e tóxico, não adianta virar as costas, enfiar as roupas na mala. Deve existir o respeito de se despedir olhando nos olhos, e se desculpar sucessivamente por algo de que não se tem culpa. Não podemos nos culpar por desamar de repente, mas sempre podemos garantir um epílogo digno e justo.

CARPINEJAR

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