terça-feira, 16 de abril de 2024


16 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

Depois dos 80 anos dos pais

Depois que os pais completam 80 anos, não se deve mais brigar com eles. Não se deve mais querer mudá-los ou ter razão. Eles são daquele jeito, entenda e respeite.

Tomei essa decisão definitiva. Não discuto mais com os meus pais. Não importa o que aconteça, não importa se concordo ou discordo deles, não importa se passam pano para um irmão que errou feio, não importa se me posiciono contra a sua orientação política ou sua opinião estapafúrdia, não importa se preciso tolerar disparates do quanto o passado era melhor.

Eu me calo na mais funda paciência. Não me precipito, não permito que a ansiedade vire falta de tato, não aceito que a pressa desemboque na grosseria, não facilito ressentimentos. Eu transformei o meu silêncio em cuidado. Apenas observo e agradeço a bênção. Minha mãe tem 84 anos. Meu pai tem 85.

Nenhum desentendimento será maior do que o meu amor por eles. O amor prevalece e reina pela paz.

Tudo com que eu poderia me indispor, tudo o que eu poderia apontar, tudo de que eu poderia reclamar: já fiz antes. Minha carência da infância acabou, minha revolta da adolescência findou, sou adulto para não ser mais levado pela mão nervosa da passionalidade.

Agora é o momento da cristalização de nossos laços, a colheita daquilo que foi plantado, a reverência aos dois pelos exemplos oferecidos ao longo de riquíssima existência. Assim como os pais se aposentam do serviço, também merecem a aposentadoria de nossas críticas, de nossas restrições, de nossos senões.

Deixo que errem, deixo que bradem, deixo que transpareçam insatisfações, deixo que xinguem as minhas limitações e meus defeitos. Eles têm o direito de ficar de mal comigo, eu não tenho mais esse privilégio.

Eu me farei de louco quando eles se mostrarem estremecidos, não aprofundarei o mal-estar, esquecerei possíveis tensões, seguirei adiante, trocarei de assunto, confiarei a eles a minha risada mais honesta de quem acolhe e reparte as imperfeições.

O que me cabe é me manter próximo, atento e acessível a qualquer necessidade. Ninguém escuta pedido de socorro permanecendo longe. Darei presentes, pagarei almoços e jantares, surgirei imediatamente sempre que for chamado. Não se brinca com o tempo. Não se debocha do destino. Todo dia é uma eternidade para quem ultrapassou os 80 anos.

O que não desejo, de modo nenhum, é perdê-los durante uma ruptura emocional, estando brigado, estando sem falar com eles.

A culpa costuma aparecer nas nossas distrações, o remorso se aproveita dos nossos pequenos atos egoístas de isolamento. Uma distância momentânea hoje é fatal. Você julga que interrompeu a comunicação ocasionalmente e não percebe que se trata de um instante decisivo.

Jamais vou parar de conversar com eles, jamais cairei na tentação da birra, jamais agirei com chantagem, jamais bloquearei o contato como se fosse um ex-relacionamento, jamais ignorarei alguma ligação.

Não é medo da morte, é medo da vida, de não valorizar a vida que resta. Será assim até nosso último dia juntos, até sermos cobertos pela saudade.

CARPINEJAR

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