sábado, 1 de maio de 2010


VERISSIMO

O poder dos garçons

Hoje vi o senhor entrar e pensei: finalmente nos encontramos. Chegou o dia

– Excelente, excelente – disse o homem, limpando o que restava de molho no prato com um pedaço de pão. – Diga ao chef que eu quero cumprimentá-lo.

– Ele já vem falar com o senhor – disse o garçom. – Para agradecer.

– Me agradecer? Por quê?

– O senhor não viu como o restaurante está cheio? Tudo devido aos seus elogios. Desde que saiu sua crítica no jornal, o restaurante tem estado sempre assim. Lotado.

– Mas... Como é que ele sabe que o crítico sou eu? Sempre venho incógnito. Faço questão.

– Eu disse quem o senhor era.

– Você? Mas como você me reconheceu?

– Sei tudo sobre o senhor. Me informei. Pesquisei. Fiz questão.

– Mas por que você... Ah, aí está nosso chef! Olhe, parabéns, viu? Desta vez você se superou. Obrigado por um grande jantar.

– Eu é que quero agradecer – disse o chef. – Pelo que você escreveu a meu respeito. O restaurante tem estado sempre assim, lotado, por sua causa. Devo meu sucesso a você.

– O que é isso? O sucesso se deve a sua comida. A seu talento. Eu não fiz mais do que escrever a verdade. Modestamente.

– Não. Você não sabe o poder que tem. Uma palavra sua pode fazer ou desfazer um restaurante, uma reputação ou uma vida. E salvou a minha.

– Por favor...

– Mas por que você nunca se identificou antes? Eu teria preparado alguma coisa especial. Como, aliás, preparei hoje, depois que o Almiro aqui me disse quem você era.

– Faço questão de ficar incógnito, justamente para não ter tratamento especial. Mas agradeço a sua gentileza. Ela só confirmou minha opinião a seu respeito. Muito obrigado.

– Muito obrigado a você – disse o chef, afastando-se. – E volte sempre.

– Voltarei com muito prazer – disse o homem.

– Mil folhas? – perguntou o garçom, que permanecera ao lado da mesa, acompanhando a conversa. – É uma especialidade da casa.

– Não, obrigado – respondeu o homem. – Só um cafezinho. Mas, me diga uma coisa: como você sabia quem eu era?

– O senhor também mudou a minha vida. Eu tinha um restaurante, maior do que este. Com uma boa clientela e um futuro promissor. Então saiu uma crítica sua no jornal arrasando meu restaurante e ridicularizando minha comida. O senhor não sabe o poder que tem. Foi o começo da minha ruína. A clientela desapareceu. Me endividei e perdi o restaurante.

Minha mulher me abandonou e levou as crianças. Tive que começar a trabalhar de garçom, pulando de lugar em lugar, vivendo de gorjetas. E durante todo esse tempo, tratei de me informar a seu respeito.

Cheguei a segui-lo na saída do jornal, só pensando numa coisa: vingança, vingança. Há uma semana comecei a trabalhar aqui. Hoje vi o senhor entrar e pensei: finalmente nos encontramos. Chegou o dia. Vou me vingar.

– Ma-mas... Se vingar como?

– O senhor saberá quando começarem as cólicas.

– Mas não foi você que preparou a comida!

– No caminho entre a cozinha e a mesa, a comida esteve dois minutos sob minha jurisdição. Não foi preciso mais do que isso. Esse é o poder dos garçons.

– Mas, mas...

– O café é expresso?

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