quarta-feira, 19 de maio de 2010



19 de maio de 2010 | N° 16340
JOSÉ PEDRO GOULART


As razões do Pateta

Lembro de um gibi, Pateta nas Olimpiádas (note o acento). Nele o Pateta tentava jogar dardo à distância e acertava no pé, saltava na corrida de obstáculos e batia de cara no chão. Coisas assim. Era engraçado.

Lembro do Full Metal Jacket, do Kubrick, sobre a guerra do Vietnã. Começava com jovens recrutas tendo os cabelos raspados, momento simbólico do que o exército exige: uniformidade, cabeças zeradas. O filme enveredava para um treinamento rigoroso e cruel por parte de um sargento, com trágicas consequências no final.

Dunga tem nome de personagem infantil, mas não é dado a brincadeiras. Ao contrário, fala duro, bate no peito mostrando suas conquistas e grita a palavra coerência como se fosse um mantra.

Dunga não quer jogadores bagunceiros, quer soldados do exército. Ele sabe que os times organizados tendem a obter vitórias. Sabe que a sistematização produz resultados. Por isso, as chances de o Brasil ganhar a Copa são boas. Mas há coisas que o Dunga não sabe.

Não sabe que o esporte é uma simulação infantil; que o que existe de pior para uma criança é um adulto chato; que o chato é aquele que quer pôr ordem na bagunça; que a bagunça dá muito mais sentido à vida que a ordem.

A bagunça, aliás, é um produto genuinamente brasileiro, é a resposta a um mundo burocrático, frio e tedioso; a bagunça no Brasil é igualitária. O jeitinho brasileiro é socialista, orgânico, sensual.

Eis o meu ponto: que haja coordenação, bravura; que haja solidariedade, eficiência: jogo sem disputa não tem graça. Mas tudo isso com uma boa dose de loucura, improviso. E sem nacionalismos exagerados, por favor.

O futebol não inventou o Brasil, ao contrário, o Brasil inventou o futebol. Um futebol que põe lado a lado na mesma comemoração um milico como Dunga e um bagunceiro, como Romário. É o pragmatismo poético!

Durante a Guerra Fria (eu sei, Dunga, você não viveu esse período, não sabe se foi bom ou ruim), Estados Unidos e União Soviética usavam os Jogos Olímpicos para provar supremacia. Na II Guerra, Hitler (eu sei, Dunga...) foi derrotado por um esportista negro. No primeiro caso, o esporte levado a circunstâncias extremas confunde as razões da torcida. No segundo, a vitória do Davi justifica nossas razões para sonhar.

Por fim, quero dizer que vou torcer muito para a Seleção. Torcer é parte genuína da minha alma infantil. Só queria humildemente deixar um recado para o Dunga: entre os dois parágrafos iniciais deste texto, fique com o primeiro. Há casos em que uma piada é a melhor forma de combate.

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