sábado, 8 de maio de 2010



09 de maio de 2010 | N° 16330
PAULO SANT’ANA


O cigarro e a mãe

Por que, afinal, fumo?

Quando não tenho nada para fazer, fumo. Quando tenho que fazer algo, fumo também, com exceção do trabalho, quando não me permitem fumar.

Deveriam também não me permitir fumar quando não estou no trabalho. Aí, caberia a mim proibir-me de fumar.

Mas não tenho forças.

Quando tenho um obstáculo pela frente, físico ou mental, fumo. Quando não tenho nenhum obstáculo, fumo então para festejar a despreocupação.

Vê-se assim que fumo sempre. Só não fumo quando estou dormindo, o que me parece uma sentença trágica: só deixarei de fumar quando estiver morto.

Na minha inocência, acho que o cigarro para mim é um vício mais gestual do que advindo de uma necessidade orgânica.

Devo estar enganado. Meu organismo envenenado deve exigir cada vez mais doses de nicotina e alcatrão e o cérebro deve ceder à exigência do cigarro.

Mas se eu entendo que fumo por uma exigência gestual, por que não substituo o cigarro por um chiclete, por uma bala ou por uma agulha e lã e vou tricotar?

Dirão que seria ridículo tricotar, mas também não é ridículo portar um cilindro de papel que envolve o tabaco e ficar sorvendo a fumaça que dele exala?

É ridículo fumar, é antissocial fumar, é anti-higiênico fumar. Tricotar não é nenhuma das três coisas, mas não me atrai tricotar.

Chego à conclusão de que deve haver uma dependência orgânica minha com o cigarro.

De tal forma incorporei ao meu metabolismo as substâncias contidas no alcatrão e na nicotina, que me aflige não ingeri-las.

Como desejaria parar de fumar. Como sinto que o cigarro pode me causar tantas doenças e até a morte, calculo que teria de ter uma força de vontade extrema para parar de fumar. Mas não possuo essa força.

E, como vejo tanta gente se esforçando para parar de fumar – e conseguindo –, chego à triste conclusão de que sou escravizado pelo cigarro.

Quando a gente é escravizado pelos outros, não há o que fazer. Mas e no caso do cigarro, em que sou escravizado por mim mesmo, pela minha própria vontade?

Nesse caso então, visivelmente, o que me falta é vergonha na cara?

É sempre incômodo para mim o Dia das Mães. Mas talvez eu seja a pessoa mais talhada para valorizar a figura da mãe, pois não tive.

E assim atribuo todas as minhas adversidades ao fato de ter perdido minha mãe aos dois anos de idade.

Nunca tive por isso proteção dentro da minha casa. E, quando saía à rua, cometia toda sorte de tonteiras, sobrevinham-me todas as desventuras, inseguranças e covardias por ter a certeza de que quando voltasse à minha casa não encontraria proteção.

O Dia da Mães para mim, durante toda a minha vida, foi o dia dos outros. Como se fosse o Dia Internacional da Mulher ou o Dia do Índio: não me pertencia.

A não ser pelo fato de que sempre que se comemora o Dia das Mães eu sonho que esta vida não é única e eu ainda posso numa outra vida conhecer a felicidade, encontrando-me finalmente com minha mãe.

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