sábado, 15 de maio de 2010



15 de maio de 2010 | N° 16336
NILSON SOUZA


Nunca é tarde

A Alice do filme é bem diferente da menininha da história original de Lewis Carrol, que encantou muitas infâncias. Da minha, lembro-me bem de ter visto num livro antigo a gravura do coelho branco, com um relógio maior do que ele, repetindo incessantemente na legenda:

– É tarde! É tarde!

Pois agora encontrei na tela do cinema uma Alice saindo da adolescência, quase mulher, fugindo do casamento arranjado para o subsolo desconhecido dos desafios humanos – onde ocorrem a aventura e a transformação. Gostei do filme. Sei que os críticos andam torcendo o nariz para a fantasia do diretor Tim Burton, que teria transformado os personagens do escritor britânico em manequins coloridos, mas sem alma.

Não vi assim. E nem as crianças que estavam na mesma sessão, pois várias delas largaram os sacões de pipoca para aplaudir a dança do Chapeleiro Maluco. Quando as crianças aplaudem espontaneamente um lance, o jogo está ganho. E elas voltaram a aplaudir no final, num atestado sonoro e definitivo do encanto do espetáculo.

Gostei, principalmente, porque Alice espalha mensagens orientadoras em três dimensões, desde a chave esquecida sobre a mesa na hora em que a personagem encolhe até a simbólica mutação da garota atormentada por um sonho em mulher independente e decidida.

Influenciado pelo aplauso das crianças, dei nota 9 para o filme quando a menina-dos-meus-olhos me questionou ao final. Também ela já começa a deixar a adolescência para trás. Depois, em outro momento de nosso cotidiano, aproveitei o conhecimento recíproco para adverti-la amavelmente num momento de distração:

– Cuidado para não esquecer a chave em cima da mesa!

Metaforicamente, Alice e o seu país de maravilhas subterrâneas também nos fazem encolher e crescer a cada cena. O cinema tem esse poder envolvente de nos transportar para outros mundos, para outras épocas e para outras formas de ver a vida. A sala escura é um pouco como a toca do coelho, imaginada pelo reverendo escritor há quase 150 anos: nunca se sai dela o mesmo.

Saí de Alice pensando no tempo que a gente perde na vida quando deixa de lado coisas simples como levar a criançada ao cinema numa tarde de sábado. Quase sempre temos coisas mais importantes a fazer, trabalhos, compromissos sociais, tarefas inadiáveis.

Quando nos damos conta, estamos transformados em coelhos apressados, consultando o relógio nervosamente e correndo para chegar a lugar nenhum. Mas sempre dá para encontrar o caminho de volta.

E, se mantivermos um resquício de fantasia no coração, nunca é tarde.

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