sábado, 16 de março de 2024


16 DE MARÇO DE 2024
PRÁTICAS ESG

Estância une criação de gado à vitivinicultura e ao turismo

Sob os cuidados da 10ª geração familiar, uma estância com 230 anos de história aposta na inovação para se manter viável economicamente ao mesmo tempo em que preserva ao menos metade de seu campo nativo no Pampa.

Localizada no interior de Bagé, a Estância Paraizo combina a tradicional criação de gado da região com a vitivinicultura e o turismo rural e usa até dados de satélite para manejar seus parreirais.

- Sempre tivemos criação de bovinos e ovinos. Com a quebra do ciclo (econômico) da ovelha, ao final dos anos 1990, passamos a buscar alternativas, e a melhor foi a uva. Mais recentemente, passamos a produzir nossos próprios vinhos - afirma uma das responsáveis pela propriedade de 1,6 mil hectares, Victoria Zara Mercio.

Os cinco hectares de vinhedos produzem sete rótulos diferentes e entre 10 mil e 15 mil garrafas ao ano. Essas atividades passaram a ser complementadas pelo turismo. Às sextas e aos sábados, mediante reserva, visitantes podem conhecer o local, aproveitar a culinária pampiana e comprar o vinho produzido no próprio local.

- Conservar não quer dizer ser contra o que é novo. Aqui, por exemplo, trabalhamos com dados de satélite, que mostram quando cada lote (das uvas) está pronto para colheita - conta Victoria.

Isso é possível porque o satélite avalia a coloração das plantas e indica o estágio de maturação. Outra das principais inovações não envolve equipamentos eletrônicos, mas o bom e velho boi.

Integração

Graças à combinação da pecuária com os vinhedos, a propriedade conseguiu eliminar o uso de herbicida na área onde ficam os parreirais. Em vez de usar produtos químicos para evitar o crescimento excessivo do campo na linha das parreiras, os proprietários decidiram soltar os animais para pastar em meio às uvas - a liberação ocorre em momentos específicos para evitar que comam as frutas.

Esse sistema, além de evitar a aplicação do herbicida, permite que as fezes dos animais ajudem a enriquecer o solo e a garantir uvas mais robustas e saudáveis.

- Na França, por exemplo, usam ovelhas para isso. Pensamos: "por que não tentar com o gado?". Tentamos, e deu certo. Hoje, para ficar no campo, é preciso ter conhecimento e mentalidade inovadora - complementa Victoria.

Abertura de mercados, valor agregado e produto saudável

Preservar o ambiente traz benefícios à natureza e auxilia a combater o aquecimento global, mas também resulta em vantagens econômicas para produtores responsáveis, como preços mais vantajosos e melhores condições para disputar mercados cada vez mais exigentes em relação à sustentabilidade.

Um levantamento revela que o valor do quilo da carne vendida com o selo da Alianza del Pastizal, por exemplo, ficou 9,6% acima da média praticada no RS, utilizando- se como referência os preços divulgados pelo Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (NESPro) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O cumprimento de metas conservacionistas também é uma forma de garantir acesso a mercados protegidos por barreiras cada vez mais elevadas, como o da União Europeia. Os europeus aprovaram um conjunto de regras que, a partir de 2025, vai limitar a importação de produtos que não tenham comprovação formal de sustentabilidade. A pecuária gaúcha, por ser uma atividade naturalmente adaptada ao Pampa por não exigir desmatamento, representa uma vantagem competitiva em relação a outras regiões que precisam derrubar árvores para cultivar pastagens.

A criação de gado em sistemas pastoris como os campos nativos do Pampa, além de contribuir para a preservação de um bioma ameaçado, é mais favorável para a saúde de quem consome essa carne em comparação àquela de animais em confinamento.

Um estudo recente realizado por pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) comprova que a vegetação típica de boa parte do Estado garante cortes de carne com uma composição de gordura mais favorável do que aquela obtida por meio da oferta de grãos.

Gordura

Uma das conclusões do trabalho é que, independentemente do tipo de criação, os níveis de teor lipídico (total de gordura) presentes nos 59 espécimes gaúchos analisados ficaram abaixo do padrão nacional de referência - mas o melhor desempenho ficou com aqueles criados de forma natural entre as coxilhas.

- Quanto mais verde e diversificado o campo, e o campo nativo é muito diverso, melhores as características que serão atribuídas à carne em termos de gordura - afirma a pesquisadora da Embrapa Pecuária Sul e uma das responsáveis pelo estudo, Élen Nalério.

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