terça-feira, 26 de março de 2024


26 DE MARÇO DE 2024
CARPINEJAR

Honremos o amor

Honremos o nome do amor. Não tomemos seu santo nome em vão. Ninguém mata por amor, ainda que tenha sido traído, ainda que tenha sido vilipendiado, ainda que tenha sido enganado.

É uma heresia associar o crime ao amor, é uma mentira juntar crime e paixão. Crime passional não existe, o que existe é crime covarde, praticado contra quem não consegue reagir ou entender o que está acontecendo.

Não use o sagrado nome do amor indevidamente, conferindo o seu poder de criação a uma sanha de destruição, emprestando a sua fertilidade para a zona mais sombria, turva e estéril do coração. O amor é um sopro de coragem, um beijo cálido, jamais arrancará o último suspiro de uma vítima indefesa.

Não o pronuncie levianamente. Senão estará alegando que o amor que há no berço, na maternidade, com uma mãe segurando seu filho no colo, é o mesmo amor que a põe estendida, fria e inerte na cama de metal do necrotério, a ser identificada por um bebê que sequer fala.

Não confunda o amor com o ódio. Muito menos blasfeme que o ódio é a sua nascente ou a sua extensão. Os dois jamais coexistem - escolha a qual senhor vai servir.

O amor prevalece na hora derradeira, não é derrotado pela cólera. O amor vence no meio da história, antes de o fim ser fim. O amor não é um pacto diabólico, mas livre-arbítrio.

Queridos advogados, queridos defensores, não chamem de amor o que foi o contrário do amor, o oposto do amor, o antagonista do amor, para sensibilizar ou comover o júri. Quem ama não mata. Não justifique o inominável. Réus matam por um desamor que já consumia seus dias, muito anterior ao desenlace. Não eram gentis antes, não eram cordatos antes.

Não foram possuídos de repente por uma sede sanguinária, por uma força justiceira. Deram de comer secretamente, gradualmente, em seu interior, ao monstro da desconfiança. Alimentaram-no com as suas próprias almas. Ciúme e possessividade não vêm do amor, vêm do nojo ao belo, do repúdio ao vivo, da aversão ao espontâneo e às escolhas da existência.

Não incrimine o amor. A ovelha não tem culpa se a sua lã acabou sendo empregada como forca. Amor não é morte. Amor não é inclemência. Amor não é tortura. Amor não é emboscada. Amor perdoa a vida dentro de cada um, deixa que cada um siga a sua vida.

O amor nunca será a causa de um homicídio. Nunca falará pela língua do fogo e das armas, do punho e das facas. Não corrompa o idioma dos anjos, dos poetas, dos músicos, dos enamorados.

Quem realmente ama prefere sofrer sozinho a ver o outro sofrer. Prefere se calar a ter razão. Prefere abrir a porta a se resignar com uma companhia infeliz. Amor é a liberdade de ser largado, de ser abandonado, de ser recusado. É muito maior do que ficar junto. Honremos a dádiva do amor.

CARPINEJAR

Nenhum comentário: