terça-feira, 26 de março de 2024


Por quê?

Assim é a guerra. Você não entende como começou. Você não entende de que lado estão os bandidos. Você não entende quem mata. Você não entende onde estará seguro.

Você conclui, primeiro, que são balas perdidas, acidentes, assaltos isolados, tragédias avulsas. Deixa passar. Crianças saindo da escola tombam, adolescentes saindo da igreja tombam, casais saindo de festa tombam. Você tenta criar uma justificativa para o fim desses inocentes: bairro perigoso, briga de tráfico...

Só que não faz sentido tanta morte. Não pode ser exceção, não pode ser casualidade, não pode ser coincidência. Existe um padrão. Porque a maior parte das vítimas é negra, é da favela, é pobre.

Vão desaparecendo trabalhadores, gente apegada à família, executada na madrugada, no silêncio da noite. Logo o descaso não espera nem o sol descer, a matança já não tem pudor da luz dos olhos das testemunhas. O crime não é solucionado porque há outro e outro acontecendo. Parece epidemia, mas não é. A generalização leva à banalidade, que desenvolve o medo. As notícias não duram 24 horas, apenas mudam os nomes dos óbitos. Você parte de um enterro para um novo. Ninguém pergunta nada para não morrer junto. Aceita-se que é assim, que é uma guerra. A realidade torna-se cada vez menos autêntica.

Descobrir os mandantes do assassinato de Marielle Franco, vereadora do PSOL morta em março de 2018, não era causa de um partido político ou de uma bandeira da esquerda, era interesse de todos nós, brasileiros. Dependíamos dessa resposta para não sentir que a justiça foi menosprezada pela impunidade. Dependíamos dessa solução de doloroso enigma para entender que ainda existem decência e probidade administrativa no país.

O bordão "Marielle presente", que ecoou nos últimos anos em qualquer mobilização popular, mostra que as pessoas que se viam representadas pelos ideais de Marielle assumiram o compromisso de também representá-la com suas existências e protestos.

Ela se tornou uma multidão, uma nação à procura da verdade.

Pela primeira vez em seis anos, parece que chegamos ao topo da cadeia que articulou o homicídio da quinta vereadora mais votada do RJ, ativista dos direitos humanos, fuzilada com quatro tiros na cabeça dentro de seu carro, a sangue-frio, com selvageria, com ódio, covardemente, como se uma pessoa fosse um mero arquivo deletado. Tentaram apagar assim - em vão - também sua indignação, seus posts nas redes sociais, suas interrogações sobre o estado policial, sua voz vivaz e intensa de inquietações. No extermínio, morreu junto o seu motorista Anderson Gomes.

A Polícia Federal prendeu, neste domingo, três suspeitos: o deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil-RJ), o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) Domingos Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio.

Segundo a operação conjunta entre a Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República e o Ministério Público do Rio de Janeiro, chamada de Murder Inc., os envolvidos são investigados na condição de autores intelectuais do homicídio. Também são apurados os crimes de organização criminosa e obstrução de Justiça.

A homologação no STF da delação do ex-policial Ronnie Lessa, apontado como responsável pelos disparos que mataram a parlamentar e o motorista, foi determinante para a evolução do caso.

Todos são do alto escalão do poder. O que prova que era uma vítima escolhida a dedo, monitorada, vigiada, como numa ditadura. Aliás, disso ninguém tinha dúvida.

Elucidada a primeira questão que parou o Brasil - quem mandou matar Marielle -, o que queremos saber agora é a motivação política: por quê? Terá sido unicamente a grilagem de terras ou vai além?

CARPINEJAR 

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