O Dia da Mulher não acabou
O Dia da Mulher não acabou, talvez nem tenha começado.
Como maridos, como filhos, como irmãos, vivemos alertando as mulheres do perigo das ruas, vivemos pedindo para não ficarem distraídas dentro do carro, ou para mandarem a localização do aplicativo, ou para não andarem sozinhas em programas noturnos. Só que os inimigos não são invisíveis, mas íntimos. De acordo com o Ministério da Saúde, 58,4% das vítimas de abuso na faixa etária entre 10 e 19 anos foram agredidas por pessoas próximas. Ou seja, dentro de casa.
Está na hora, um tanto atrasada, de raciocinarmos sobre nossa paranoia manipuladora. Podamos a liberdade delas por medo da insegurança, sob a forma de permanente preocupação, enquanto o risco real se apresenta num ambiente doméstico.
Nós queremos tanto que nossas mulheres encontrem uma história de amor, e acabamos por esquecer que a maior história de amor que elas podem ter é consigo mesmas. Devido à obsessão de que estejam acompanhadas, não acompanhamos o seu presente. Acreditamos que a irmã, a mãe, a filha alcançarão a realização ao lado de alguém, e fazemos vista grossa para quem chega.
Não priorizamos a individualidade, a independência, a autonomia, a aventura da experiência.
A sensação é de que nós desejamos nos livrar delas. Praticamos um desrespeito primitivo: o desinteresse por quem elas são, valorizando mais com quem elas estão. Nosso alarmismo é fabricado. Tememos a sua presença. Tememos as suas reações. Tememos as suas perguntas. Tememos as suas inquietações. Tememos as suas curiosidades. Tememos as suas mil facetas sadias.
A pretensão absurda e equivocada de resolver a vida delas vem do receio de que elas, permanecendo perto, revelem por fim quem realmente somos. Enxergamos nelas o nosso espelho, os nossos problemas, a nossa verdade nua e crua. As mulheres guardam a nossa caixa de Pandora, são testemunhas de nossa violência exacerbada.
Procuramos mantê-las o mais longe possível. Tanto que trocamos de lado com facilidade, tornamo-nos melhores amigos dos nossos cunhados, dos nossos padrastos, dos nossos genros, e deixamos de ser amigos de nossas mulheres. Pois no fundo pretendemos que elas abandonem quem elas são, e assim passem a ser o matrimônio, dois em um, não mais elas. É como se aquela multidão de uma pessoa fosse reduzida a seu par.
Você, homem que está me lendo, pergunte a si mesmo: - Será que tenho medo das mulheres? Devemos parar de dar rótulos. Porque rótulos são sempre maneiras de descartar a companhia feminina, desconsiderá-la.
Se a mulher expressa seus sentimentos, ela é dramática. Já você se vê como espontâneo.
Se a mulher se mostra sensível, ela está exagerando no rancor. Já você tem direito a se mostrar desapontado por longo período. Se a mulher é livre, ela é doida. Já você nunca fez loucuras. Se a mulher fala palavrão, ela é vulgar. Já você nunca recebe fama de desbocado.
Se a mulher é engraçada, ela é inconveniente. Já você desfruta da chance de rir de todo mundo. Se a mulher levanta a voz, ela é nervosa. Já você pode gritar, pode explodir, e está tudo bem. É a mania de se sentir superior, de pôr um defeito preventivo para tirar a autoridade, para desmerecer a conduta.
O homem naturaliza o seu comportamento e rotula o comportamento feminino. É impressionante o quanto perdoamos os outros homens, perdoamos a nós mesmos e não damos nenhum espaço para a totalidade da mulher. Mulher precisa apenas de respeito. Respeito é cuidado.
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