02 DE JANEIRO DE 2023
CARPINEJAR
Etarismo turístico
Quais são as pessoas que desfrutam de maiores condições financeiras e dispõem de mais tempo para viajar? Os aposentados. Mas justamente esse público com mais de 65 anos acaba sendo inibido de visitar as principais praias do país. Não há estrutura para terceira idade em cartões- postais como Pipa, no Rio Grande do Norte, e Fernando de Noronha, em Pernambuco.
O litoral brasileiro mais paradisíaco apresenta um caráter excludente, caracterizado por descidas em escadarias estreitas ou caminhos de pedra irregulares sem corrimão. É mais rapel do que degrau. O risco de uma queda é alto. Há certos lugares que são feitos exclusivamente para a juventude. Ou vá no seu auge físico, ou esqueça para sempre.
São locais com data de validade, de circulação restrita, daqueles que você pode dizer sem medo que passou da idade de conhecê-los. A ausência de inclusão para todas as faixas etárias nesses pontos de exuberância natural é de dar pena. Acredito que incentivamos um etarismo turístico. Nem tudo apresenta segurança no seu acesso.
Se é de propósito, para prevenir multidões e garantir a conservação da natureza, é uma artimanha limitante a uma faixa etária específica. Só põe de lado os idosos. Imensos grupos de adolescentes não se importam com os riscos.
Não posso chegar para os meus pais de 83 anos, de modo eufórico, falando que conheci um balneário incrível de azul-caribenho com a minha esposa e que eu gostaria de levá-los numa próxima viagem. Não desejaria a empreitada heroica nem para os meus desafetos.
Não há nenhuma chance de deslocamento mediado para os idosos. Mesmo os mais inteiros e conservados encontrarão sérias dificuldades atléticas. Existem exceções, mas a regra é discriminatória.
Em Sancho, Fernando de Noronha, por exemplo, eleita uma das praias mais belas do mundo, você unicamente desce para as suas margens de águas transparentes por uma batcaverna. Eu recuei na primeira vez e apenas insisti por uma questão de brio romântico. Beatriz não perdoaria a desfeita, apesar das circunstâncias desfavoráveis.
É uma escada de bombeiro apertada até para a passagem de uma mochila junto de seu corpo. Quando achava que já tinha atravessado o pior, surgiu um desfiladeiro romano para testar o meu raro equilíbrio.
Aos meus 50 anos, desci engatinhando, com a língua de fora, oferecendo um vexame para quem vinha atrás, serpeando pelas paredes, evitando olhar o quanto faltava, tentando vencer, ao mesmo tempo, tanto a vertigem quanto a claustrofobia. Pedia para Beatriz não falar nada por receio de que acordasse o meu medo e me causasse uma crise de ansiedade.
Voltar para ali tornou-se um sonho distante. Não sei se conseguirei repetir a dose de sacrifício e de coragem. É uma temeridade para crianças pequenas e praticamente impossível para deficientes físicos.
Com tristeza e desconsolo, assistia de baixo a uma multidão que se contentava em permanecer no mirante, obrigada a fantasiar o banho de mar. Pagou ingresso ao parque, caminhou à toa, para ficar no cheirinho.
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